Capítulo 6 - Enganos Óbvios

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Amizade, casamento de dois seres que não podem dormir juntos.” (Jules Renard)

  Mason desceu os olhos para a figura pequena do Senhor Clark, que se apoiava na parede vazia da sala de exames em que se encontravam. O engraçado professor de História nunca parecera tão sério quanto agora, com as suas sobrancelhas claras franzidas e a boca em forma de bico, que demonstrava a apreensão por trás de toda aquela ocasião tão inesperada.

  O rapaz ouviu Celine suspirar, sentindo a amiga chegando mais perto do seu corpo parado no meio da sala de exames escura. A médica jovem e educada já havia se retirado para poder então atender aos outros pacientes que realmente precisavam de sua ajuda e de seu tempo. Ele lambeu os lábios ao sentir a mão de Celine afagar seu ombro encarecidamente, enquanto a garota apoiava a testa em suas costas largas e quase magras demais. O silêncio já havia começado a perturbar as três pessoas tão transtornadas pela falta de diálogo com a loira que havia acabado de se retirar da sala com passos curtos e dolorosos. Samuel sabia que a situação deveria ser mais do que traumatizante para deixar a filha suplicando por algo como a solidão. Geralmente, Daisy não demonstrava se preocupar com o fato de estar acompanhada por alguém ou completamente sozinha, pois estava sempre acompanhada das suas ideias infinitas. Seus pensamentos levavam-na para um quarto escuro e sem mobília, onde a garota permanecia com os olhos fechados mesmo na ausência da luz, que costumava incomodar a menina com o nome e a essência voltada à luminosidade. Apenas suas ideias dobradiças salvavam-na do tédio imposto por algumas pessoas insignificantes que a acompanhavam durante esse ciclo maciço e até mesmo desnecessário em que se encontrava.

  Mas naquele momento, Samuel tinha certeza de que a filha não conseguia achar o caminho para aquele quarto. Ele notou o vazio se apoderando da face rígida e pálida da menina, conseguiu distinguir a expressão natural da filha com aquela que ela tinha em seu rosto no momento em que pôs os pés para dentro da sala de exames. Era como se a mente de Daisy houvesse acelerado, como se ao invés de andar a cento e quinze quilômetros por hora – provavelmente a velocidade normal de seu raciocínio –, ela andasse a duzentos, e isso a afetava diretamente, fazendo com que a sua expressão atordoada e embaralhada se confundisse com o choque causado pelo acidente, dando origem a uma Daisy morta-viva, com seus olhos verdes vidrados no vácuo, e seus murmúrios silenciosos ecoando pelos seus lábios – os murmúrios que só ela era capaz de ouvir.

— Por que não a impediram? – o pai da garota arfou audivelmente, fechando os olhos e abaixando a cabeça.

 — Impossível – Mason respondeu, revirando os olhos até Samuel – O senhor sabe que isso seria impossível.

  O garoto tinha razão, Daisy era incontrolável.

— Foi tudo muito rápido, Sr. Clark. – Celine tentou dizer aquilo da maneira mais prática possível para o homem de cabelos levemente grisalhos e olhos verdes escuros – Eu só fui vê-la quando ela estava no meio do cruzamento, ninguém percebeu o menino indo na direção da rua, a não ser por...

   Samuel riu discretamente.

— Por ela, é claro. – murmurou sozinho.

  O historiador se recusava a pensar que um dia poderia perder a filha para algo tão trágico quanto o câncer que havia levado Ivy embora de suas vidas. Já havia perdido uma, não seria justo perder a única luz no fim do seu túnel tão estreito e tão vazio.

— Ela parecia tão perdida – a sulista suspirou, puxando levemente a jaqueta preta de Mason entre os dedos – E sozinha.

  Mason fechou os olhos, sentindo seu rosto arder.

 — Preciso vê-la, e preciso que ela vá para casa – Samuel respirou fundo, com a voz levemente embargada. – Mas tenho que voltar à Universidade o quanto antes. Deus, eu não sei o que fazer...! – colocou as mãos no rosto, tentando se livrar do choque inicial que ainda o incomodava. A voz fina de Celine que o alarmara com tanto desespero que sua filha havia sofrido um acidente, a maneira como a filha havia dito que tentaria não morrer por conta das crianças.

Lovely Daisy - Inesperado.Where stories live. Discover now