Capitulo 2 : A grande perda.

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Capitulo Dois

Adriana

Até que ponto podemos suportar da dor? Até que ponto precisamos nos manter fortes quando essa não é a realidade a que estávamos acostumados? Eu precisava ficar sozinha e chorar, viver meu luto. A sala de TV se tornou o meu lugar neutro na casa. Isso quando eu não estava na cozinha preparando uma produção em massa de tortas especiais de maças. Eu e minha mãe adorávamos passar um tempo na cozinha fazendo a torta preferida do papai, enquanto conversávamos sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Agora me dou conta que nunca preparei uma torta de maça para ele. Enquanto eu preparava as tortas eu me lembrava de todas as vezes que eu pedia à mamãe para me contar a história de amor dela e meu pai. O amor deles era verdadeiro. Ela dizia que todos os dias ao abrir os olhos ela se apaixonava novamente pelo homem ao seu lado na cama.
Eles foram felizes juntos, e partiram juntos. A vida é como pó e pode se espalhar em um momento e ser levada pelo vento. Toda a riqueza material que juntamos em vida não cabe em um caixão. Eu daria tudo para voltar no tempo e abraçar meus pais um pouco mais. Eu daria tudo para voltar no tempo e irmos juntos ao jogo do Patriotas, devidamente uniformizados, gritar tanto no jogo e voltar para a casa sem voz. Eu nunca pensei que doeria tanto. Hoje, eu precisava retomar minha vida. Voltar para a faculdade foi o primeiro passo. Começar por algo que se gosta é um bom início.
— Adriana, que bom que você está de volta. — Ingrid disse me assustando.
Forcei um sorriso. — Estou. Como vai, Ingrid?
— De ressaca, mas feliz por passar uma noite quente com um carinha novato.
–– Bom... isso parece incrível. — Murmurei desconfortável. Ela entrelaçou nossos braços apoiando a cabeça no meu ombro.
— Amiga ele tem o maior pau que eu já vi na minha vida. Grande e grosso. Mete fundo com maestria, e a língua dele...
— Eu já entendi Ingrid. — Disse a cortando. A última coisa que eu precisava era de uma narração erótica. — Eu preciso ir ou vou me atrasar para a aula, Ingrid. Foi bom revê-la. — Falei me afastando com pressa.
— Espera Adriana. Eu me esqueci de dar os pêsames. Sinto muito pela morte de seus pais. — Ela fez uma careta. — Eu não fui ao sepultamento porque detesto cemitérios e defuntos. Não me sinto bem sabendo que tem alguém morto despedaçado perto de mim. Mas, mandei flores e um cartão você viu?
Espirei fundo e contei até três para manter um pouco de calma.
— Obrigada pelas flores Ingrid.
— Por nada, Adriana. Agora amiga eu preciso ser a voz da razão aqui. — Ela ajeitou sua bolsa Prada nos ombros e ajeitou sua franja dura de laquê. — Você está horrível. Essas olheiras estão desastrosas. Mas, eu sei como você pode melhorar essa pele. Sexo pôs luto. Amiga, podemos marcar um encontro hoje à noite e brincar a quarto. Matteo é uma delicia e eu aposto que você vai amar conhecer a magia do carinha novo. — Ela umedeceu os lábios me causando nojo.
Serio que ela vomitou isso? Eu não desejava a pena das pessoas, mas respeito era o mínimo que qualquer ser humano merece. Eu nunca pensei em agredir alguém, mas eu juro que se ela continuasse eu esfregaria a cara dela no chão com todo prazer.
— Ingrid agradeço toda a sua sensibilidade. Eu não esperaria nada menos vindo de você. Mas, eu estou bem. Tenho que estudar para repor os dias que eu perdi de aula. Agora se me permite eu preciso ir.
— Se você mudar de ideia me liga, ok.
Ignorei suas ultimas palavras e corri o mais rápido que podia para minha sala. Era dia de arte livre. Cumprimentei rapidamente meus colegas de turma. Alguns se aproximaram me dando as condolências, enquanto outros apenas acenavam. Me mantive concentrada tentando não sair correndo.
— Bom dia, turma. — Sr. Paul disse com uma animação matinal incomum. — Sem mais delongas vamos a uma rápida introdução do que vamos trabalhar hoje. Linguagem artística. A linguagem artística apresenta uma simbologia própria, pois comunica mais além que a linguagem falada ou escrita, pois se trata das emoções, do inconsciente da ordem do indivisível. Pode ser um excelente terapêutico, na expressão de sentimentos, pensamentos, idéias, fantasia, traumas e comportamentos emocionais. Eu quero que vocês tentem exteriorizar suas emoções em forma de arte. Deixem as cores as formas, dançarem com suas emoções, sem medos sem barreias. Tomem o tempo de vocês.
Eu não me sentia preparada para expor ainda mais minhas emoções, talvez fosse como reabrir a ferida ainda. Por exemplo, quebrar a tela à minha frente na cabeça da Ingrid e convencer os policiais que era uma expressão de emoções, pura arte e nada de agressão.
Eu não me sentia preparada para expor ainda mais minhas emoções, talvez fosse como reabrir a ferida ainda mais. O quão devastador poderia ser?... Não que em algum momento entre as paredes da minha casa não houvera sido. Mas eu sabia que no baú das emoções poderia conter monstros desconhecidos. E se exemplo quebrar a tela à minha frente na cabeça da Ingrid e convencer os policiais que era uma expressão de emoções, pura arte e nada de agressão. De repente o alerta de perigo fez-me explodir em angustia. Me lancei para forra da sala correndo pelo corredor. Lagrimas escorriam por meu rosto. Senti mãos fortes segurar meu braço fazendo-me parar.
— Adriana, você está bem? — A voz do Sr. Paul soou cálida.
Cobri meu rosto com as mãos, em firmei minhas costas contra a parede do corredor deslizando para o chão.
— Me sinto irremediavelmente destruída, ou todos os sinônimos que essa palavra. — Abracei meus joelhos em corpo convulsionando-se com os soluços. — Foi um grande erro pensar que eu poderia voltar para a faculdade.
Senti Sr Paul sentar-se ao meu lado.
— Adriana, você sempre foi uma aluna exemplar, dona de grande talento e amor pela arte. Voltar para a faculdade foi um ato de coragem, algo que deve ser admirado. Mesmo, ferida uma parte sua deseja voltar para uma parte importante do quê você é.
— Eu descobri à muito tempo que eu sou uma artista. Eu amava meu trabalho; as corres e formas da arte. Sem meus pais eu não posso ver as cores da vida. Sinto que a magia se acabou a fonte secou. — Apertei meus cabelos entre os dedos, exasperada.
— Adriana, é compreensível que sinta-se assim. Às vezes a vida nos conta uma piada de mau gosto. Enquanto estamos aqui, alguns pais celebram a chegada de seus filhos, perto daqui pais enterram seus filhos amados. Pais de família acordam cedo indo pra longas horas de trabalho árduo muitas vezes sem nem ter o tempo suficiente para fazer uma refeição decente. Em contrapartida outros escolhem ser quem roubam, e tiram vidas com crueldade. — Ele fez uma pausa tomando uma lufada de ar. — Eu compreendo sua dor. E, eu não vou mentir e dizer que um dia ela vai embora por completo; ela não vai... Há cerca de 2 anos eu e minha esposa estávamos felizes com a chegada do nosso primeiro filho. Eu me sentia o homem mais realizado do mundo. Cada etapa da gravidez de Ariela foi vivida com grande intensidade. A primeira ultrassom, ouvir os batimentos cardíacos do bebê, senti-lo se movimentar no ventre de Ariela. Tudo que construímos e os planos que fizemos para receber nosso pequeno anjo foi brutalmente arrancado. Dois homens assaltaram Ariela e não satisfeitos em roubar seus pertences, um deles desferiu um golpe de faca no ventre de Ariela que se desequilibrou caindo de um lance de escada. Mesmo com todos os esforços da equipe medica o bebê não resistiu. Ariela entrou em um profundo estado de choque. Dias depois estávamos sepultando em um pequeno caixão, meu filho. Michael Jackson Paul teve sua vida interrompida; a ele não foi dada a chance de conhecer seus pais. Eu tive meu coração arrancado do peito ainda vivo. Precisei me afastar do serviço por um período das minhas funções acadêmicas.
Eu olhava o homem ao meu lado, perplexa. De repente eu queria ter as palavras certas para falar, mas elas sumiram. A dor em cada uma das suas palavras, eu podia imaginar o quão devastador houvera sido. Lembrava-me de um tempo em que Sr. Paul ficou afastado, mas eu nunca poderia imaginar.
— Eu lamento Sr. Paul. — Murmurei estranhando como minha voz saiu. Os olhos dele encontraram os meus e ali entendi que qualquer palavra de consolo seria desnecessária. Compartilhávamos uma grande dor. E, sabíamos que condolências não era o antídoto para amenizar o que sentíamos. Mas eu estava grata por ele compartilhar algo tão pessoal comigo. Ele não tinha que expor sua ferida para mim; mas ele o fez para de alguma me confortar naquele momento. Impulsionei-me a levantar, e estendi minha mão para cumprimentá-lo.
— Adriana, se você quiser ir para casa eu vou entender. Não escolhemos passar por todas essas coisas... Mas podemos escolher como moldar nossa dor. Você pode ir para casa ou voltar para a sala e enfrentar a tela, se você acreditar que pode jogar sobre a tela seus sentimentos. A arte nos abraça sem se importar se nosso aspecto ficou emocional. Ela é pura e verdadeira, amiga fiel. Ela não vai te deixar porque você está ferida, e sim te abrigar em seu calor e suas formas. A alma não tem forma.
— Obrigada por tudo! — Exclamei. Girei em meus calcanhares caminhando com passos determinados de volta para a sala. Ignorei os olhares curiosos em minha direção. Parei diante da tela em branco que me desafiava, peguei meu avental e o envolvi em meu corpo. — Deus fala comigo.
–– Não tenham medo de suas emoções. — A voz do Sr. Paul ecoou. — Se vocês não se importarem eu vou me juntar a vocês. — Disse ele indo até o armário pegando uma tela posicionando-a de forma que ele poderia trabalhar e ficar de frente para toda a turma.
You Are NotAlone- Michael Jackson soou timidamente. Nossos olhos se encontraram por alguns instantes. Eu entendi que ele queria me lembrar do que compartilhamos há pouco.

Another Day has gone
I'm still all alone
How could this be
You're not here with me
You never Said good-be
Someone tell me why
Did you have to go
And leave my world so cold

A letra da musica dizia muito sobre o que eu estava sentindo, eu diria que ela também fazia sentido para a dor da perda que eu e o Sr. Paul compartilhávamos. Ambos havíamos perdido quem amamos.
Em circunstâncias distintas, mas a dor era a mesma. Meus pais partiram em um acidente de carro, algo que segundo as estatísticas acontece a todo o tempo, com suas diversas variações circunstanciais. Sr. Paul perdeu seu filho pela crueldade humana. Quanto vale uma vida? Por alguns trocados o ser humano se acha no direito de com crueldade destruir uma família. Arrancar do ventre de uma mãe, uma vida. Essas pessoas que também deveriam ter família poderiam em algum momento colocar-se no lugar de sua vitima? Sentiriam eles paz ao deitar-se e dormir enquanto suas vitimas choram sua perda irreparável. Nunca saberíamos tal resposta.
Tomei o pincel entre meus dedos com determinação. Soltei um longo suspiro. Quando pincel encostou-se à tela deixei-me vagar por minhas recordações.
A imagem da minha casa veio a minha mente. Lembrei-me do dia em meu pai me surpreendeu com balanço próximo a uma árvore com uma bela vista do jardim com seus contrastes de cores que tanto me encantava. A alegria de poder sentir a sensação de voar enquanto o vento acariciava meu rosto. As tardes na piscina e o churrasco de domingo do papai. Ele me ensinou a nadar. A primeira plantinha que eu plantei com minha mãe, e a lição sobre ela ser uma vida delicada que precisava ser regata com amor. Aos 9 anos eu aprendi sobre a vida de uma plantinha. Aquela garotinha cresceu regada de amor. Mas hoje aos 20 anos ela olhava para a casa vazia, e carregada de solidão.
— Eu sinto tanto, mãe e pai. — Exclamei baixinho minhas os a intensidade das pinceladas na tela variavam a cada pontada no meu coração. O pincel e minha mão pareciam um bom par. Explodi em meu choro, minha raiva, solidão, medo, saudades. Me recusei a sair para lanchar, eu precisava ficar ali até o fim.
Just the other night
I thought I heard you Cry
Asking me to come
And hold you in my arms
I can hear your prayers
Your burdens I will bear
But fist I need your hand
Thenforevercanbegain

Os poucos a tela foi ganhando formas. Eu sabia que a minha arte não era a minha adversária; apesar dela me intimidar diante das circunstancias. O quadro representava a Adriana de hoje, sentada em seu balanço olhando em direção a casa. Um lugar sem cores. Porque meu exterior ferido me fazia ver tudo como um filme em preto e branco. Essa era a Adriana no presente; como ela seria no passado. Bom, eu não tinha essa resposta.
— Você fez um excelente trabalho Adriana. — Sr. Paul disse quebrando o meu estado de transe. Ele limpava suas mãos em um pano velho.
— Obrigada! — Falei um pouco sem jeito.
— Hoje você enfrentou seus fantasmas, eu sinto orgulhoso. — Nossos olhos se encontram. Notei que seus olhos estavam vermelhos e seu rosto tinha sinais de cansaço.
–– O senhor foi o grande responsável da forma como as coisas seguiram hoje.
— Você gostaria de ver o que eu fiz na minha tela?
— Se não se importa. — Ele tomou a frente indo em direção a sua obra parando com os braços sobre o peito.  Um casal andando ao lado de um pequeno anjo. O contrate de cores remetia a algo extremamente comovente, e ao mesmo tempo lindo.
— Adriana, a vida pode nos tirar o chão, mas Deus nos dá asas.

O Que a Vida me Roubou. Degustação. Where stories live. Discover now