Caroline Grissom

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Aquele barulho irritante da sirene. Odeio. Aquelas paradas bruscas nos semáforos. Também odeio. Choros e gritos de aflição. Bom, não é que eu odeie as pessoas chorarem por outras, é só que nunca fui fã de expressar sentimentos. Meus pais dizem que é por causa da minha infância onde fui criada pelos dois irmãos mais velhos - Tyler e Dennis - que me "ensinaram" a não chorar por nada nem por ninguém. Minha amiga diz que é por causa do meu signo e da minha ascendência, essas coisas do tipo. Ela diz que nós nascidos entre 21 de janeiro e 19 fevereiro temos dificuldade de expressar sentimentos. Não sou muito de falar sobre minha vida, então poucos sabem quando nasci. Acho que só minha mãe, meu pai, meu irmão Dennis e meu marido. Isso mesmo. Nem meu próprio irmão Tyler sabe. E em questão de algumas horas o médico legista saberá. Exato. Médico legista. Foi o que eu disse. Se antes eu temia expor meu corpo para alguém, senão para meu marido, quem dirá agora que um desconhecido iria me ver nua em questão de minutos. Olha que interessante. Mais uma vez o furgão do necrotério parou. E aquela mesma ambulância continua em nosso encalço desde a hora em que saímos do restaurante Windows on the World. Ótimo restaurante com um filé de carne delicioso. Eu até recomendaria, mas agora não passa de uma pilha de escombros. A vista lá era perfeita. Você via o Rio Hudson e alguns prédio de Nova Jersey. Alguns não, vários. Eu sempre ia tomar um café lá por volta das oito ás nove da manhã . Pegava o elevador com quase sempre as mesmas pessoas e quase sempre com a mesma música. Devo admitir que quem colocava a música tinha bom gosto, pois escolhia o instrumental da música Lucky da Britney Spears. Quando ia almoçar também via as mesmas pessoas, só que a música de fundo era diferente. Era algo bem clichê dos elevadores. Sabe outro clichê do meu dia-a-dia?! Avery Daniels me desejar Bom Almoço da forma mais falsa possível. Todos no escritório sabiam que ela estava com raiva por que minha campanha publicitária para promover a marca Langston-Louis foi escolhida e não a dela. Não é que ela não tenha talento. O único problema é que ela não é do tipo que ultrapassa os limites a ela impostos. Eu sim. Ela é uma concorrente a altura de qualquer publicitário de renome em Nova York, só não sabe disso. Estou no ramo a sete anos. Tornei-me a leoa daquela selva antes que fosse devorada como um rato na presas do gato. Uma curva para a direita. Uma curva para a esquerda. Até que enfim aquela ambulância sumiu. Nela estava um dos clientes do escritório publicitário onde trabalho. O nome dele é Owen Mellard. Devo admitir que era um homem lindo, mas um cafajeste de primeira. É do tipo que faz com quem tenhamos sonhos eróticos, porém não é aquele com quem nos imaginamos para a vida toda. Esse papel é do meu marido Anthony Hernandez. Julguem-me como for, mas sinto que ao mudar meu nome de solteira para um nome de casada estou me prendendo de forma definitiva. Além do mais, caso um dia eu e Anthony nos separássemos seria mais trabalhoso voltar meu nome para o de solteiro. Anthony sempre foi amoroso e carinhoso comigo. Já eu não era fã de demonstrar tantos sentimentos, mas o amava. Aí voltamos para aquele assunto de "criada pelo irmãos mais velhos". O furgão do necrotério parou. As portas da cabine do motorista se abriram. A porta da traseira se abriu. Uma luz intensa atingiu meu corpo sem vida. Um dos legista puxou a maca onde eu estou. Por pouco não caí com a força por ele usada. Fui levada a uma sala fria. Minha roupas foram tiradas. Meu corpo foi lavado. Até que enfim um banho para retirar o concreto que sujava meu rosto; o cheiro de fumaça que havia ficado preso em meu cabelo. Sinto a lâmina fria do bisturi fazer uma incisão em minha caixa torácica. Devo admitir que quem a manuseava tinha talento. Se eu não estiver enganada, o nome dele era Patrick Fitzgerald. Doutor Patrick Fitzgerald. Depois de fazer uma autópsia detalhada da forma mais respeitosa possível, ele simplesmente pegou um pedaço de papel amarrado a um barbante e fez algumas anotações em seguida colocou amarrado no meu hálux direito. Aprendi algumas coisinhas. É o dedão do pé. O que constava naquele papel? É um mistério para mim. O que eu sabia sobre meu corpo? Somente a única frase que consegui ouvir sair da boca do Dr. Fitzgerald. Praticamente, uma sopa de ossos.

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Nome: Caroline Grissom Robbins

Idade: 29 anos

Data da Morte: 11/09/2001

Causa da Morte: Falência de múltiplos órgãos acompanhada de hemorragia interna e traumatismo craniano.

Centésimo Sétimo AndarWhere stories live. Discover now