History

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Eu não queria estar a forçar nada na minha relação com Luke. Chovia lá fora. Não era nada normal nesta altura do ano, apesar de ser chamada de "chuva molha tolos". Mas certamente que isto iria poupar-me uma paragem numa bomba de gasolina para lavar a minha carrinha pão de forma. 

"Foi quando eu tinha dezasseis anos..." ele começou. A sua voz saia como um fio da sua garganta para fora da sua boca quando mexia os lábios. Não percebi grande coisa, mas não queria obrigá-lo a repetir

Não deveria ser muito importante. 

Tento focar-me na estrada. Estou a conduzir há cerca de duas horas sem parar, mas não o quero forçar a começar isto de novo. Talvez, depois, eu o possa confortar com um croissant com creme e um ice tea de limão...

"... Eu saí de casa onde morava com a minha mãe. Na verdade ela meio que me mandou embora." diz ele, com um meio sorriso a brotar do canto dos lábios quando olha para mim. A típica reação de uma pessoa que está a sofrer mas tem medo de mostrar ao mundo. "O meu pai abandonou-nos quando eu tinha dez anos. Acho que a partir daí ela se esqueceu que tinha um filho. Então um dia fartei-me e ela mandou-me embora. Acho que era a bebida a falar, mas não olhei para trás quando saí porta fora." acaba. Dá de ombros e tenta esconder qualquer sinal de que está quase a chorar.

Mostro-lhe um sorriso, ou pelo menos tento fazê-lo para que ele se sinta melhor, mas acho que não fui bem sucedida.

Ao fim de um tempo, ele parece recompor-se. Nunca o imaginei como um rapaz frágil. Na verdade, tenho dificuldade em imaginar um homem a chorar. Acho que não tenho o melhor exemplo na minha casa, em São Francisco. O meu pai é implacável. Precisa de o ser para desempenhar bem o seu trabalho. E não é que não seja um bom pai, mas esquece-se que eu não sou um dos seus empregados ou clientes. Ele nem sequer chorou quando a minha mãe morreu!

"E então e tu?" Luke pergunta-me, apanhando-me de surpresa. Abro e fecho a boca várias vezes, contornando o meu olhar entre ele e a estrada.

Tínhamos acabado de chegar a Malibu, passaríamos aqui um dia e, amanhã de manhã, iríamos partir para Los Angeles, não muito longe daqui. A Pacific Coast HWY é um estrada não muito longe da orla no mar e, por entre todas as mansões de luxo, conseguia ver a linha do horizonte ao longe.

Até agora, esta cidade era a mais parecida com a minha. As longas praias faziam-me lembrar a costa de São Francisco com palmeiras e jardins em frente.

"Eu o quê?" pergunto, fazendo-me de despercebida.

"O teu pai?"

"Hum..." é tudo o que ele ouviu sair da minha boca. Contraio os meus lábios, formando com eles uma linha reta. Passo a minha língua por eles, molhando os mesmos. Argh! Porque é que tenho este vicio horrível?

"Assunto complicado?" Luke dá um risadinha e eu compreendi o facto e o fazer. Acho que não conseguimos ter uma conversa que não envolva nenhuma tragédia familiar. Não conseguimos encontrar nada na nossa vida que seja normal, pelo menos para adolescentes de dezassete anos.

Paro a minha carrinha pão de forma numa das bordas de uma estrada pouco movimentada, o que é um milagre, mesmo num dia da semana.

"O que é que queres que eu te diga?" viro-me para ele.

Luke parece pensar um pouco, mas acaba por perguntar:

"Ele é parecido com o Leonardo Dicaprio?"

Não evito soltou uma gargalhada bem alto perante tal parvoíce.

"De onde é que te veio essa pergunta?"

"Bem, tirando o cabelo rosa..." ele começa a falar, mas eu interrompo-o:

"Não é rosa, é vinho."

"Ah! Eu não acredito que pintaste o cabelo da cor de uma bebida alcoólica!" diz, exagerando no tom melodramático que está a usar. " Eu é que devia estar metido com más companhias, ter piercings, fazer tatuagens... pintar o cabelo de verde!"

Dou um risadinha com a minha mão em frente da boca para ele não reparar.

"O que é que foi?" pergunta-me, fingindo-se de ofendido.

"Não é por nada, mas o cabelo verde não te favorecia em nada!" admito.

"Então o que podia eu fazer para ficar bonito?"

"Nada." o meu tom de voz é calmo, meigo e, acima de tudo, sincero. "Acho que estás ótimo da maneira que és." 

Vejo-o sorrir verdadeiramente. Olhamo-nos olhos nos olhos e a cada segundo que passa sinto o meu sangue parar todo na cara. Uma onda de calor percorre todo o meu corpo para se alojar nas minhas bochechas e eu sei que estou a corar violentamente. Luke dá uma risadinha.

"Já sei porque é que pintaste o cabelo dessa cor." diz, mas não me dá oportunidade para perguntar o que ele queria dizer com aquilo, pois ele continua a falar: "Quiseste que ele combinasse com as tuas bochechas."

Dou-lhe uma leve sapatada no ombro, com cuidado para não o aleijar. Não que tivesse força o suficiente para o fazer, mas mais vale prevenir do que remediar.

"Mas então..." o seu semblante torna-se, novamente, sério. "...ainda não me contaste o que aconteceu com o teu pai."

"Ah, sim." a esta hora e com tantas distrações pensava que ele já se tinha esquecido da ideia de eu lhe contar tudo. "Está vivo e de ótima saúde!"

"E concordou com isto?" ele olha em volta. A parte de trás da van está um pouco desarrumada, com embalagens em cima de um balcão de madeira e a cama ainda por fazer. Ainda não sei como é que duas pessoas tão diferentes se conseguiram instalar de maneira a dormirem ambas cá dentro, mas a verdade é que conseguimos.

Engulo em seco e dou um risinho nervoso, encolhendo-me um pouco sobre o meu próprio corpo.

"Ele não sabe que eu vim. Deixei-lhe um recado em cima da mesa da cozinha." Luke dá uma gargalhada alta.

"Rebelde." comenta.

"Ele é muito controlador. Desde a morte da minha mãe que parece que me evita. Ouvi-o falar com a minha tia ao telemóvel. Ao olhar para mim lembra-se dela." digo, lembrando-me de quando o apanhei a berrar para um aparelho eletrónico, exaltado.

"E isso é mau?" o rapaz que está ao meu lado pergunta, confuso. As suas sobrancelhas estão franzidas e olha-me sério.

"É mais uma lembrança cheia de dor." dou de ombros e, sem querer e nem me aperceber, deixo que uma lágrima dance pelo meu rosto abaixo. Sinto-lhe o gosto amargo quando ela para entre a linha do meu lábio superior e inferior.

Luke tosse.

"Bem..." começa a falar, chegando-se cada vez mais para mim. Ao estar sentado ao meu lado, põe-me o braço esquerdo ao redor do meu pescoço e força-me a olhar para ele. O seu dedo indicador limpa o trajeto molhado que aquela lágrima solitária deixou. "Ainda bem que vieste. De alguma outra forma não nos tínhamos conhecido." e abraça-me. 

É um abraço forte e, em muitos anos, posso dizer que é o único que foi realmente sentido. Agarro a sua camisola atrás das suas costas com força e deixo o meu queixo repousar sobre um dos seus ombros, permitindo-me chorar. A t-shirt dele fica molhada em pouco tempo, mas ele parece não se importar, porque não me larga embora o meu choro se tenho tornado num choro feio e desesperado. E eu nunca pensei em dizer o que vou dizer agora, mas vai ser a verdade.

"Ainda bem que deixei um sem abrigo entrar na minha carrinha pão de forma."


Nota da autora:

Desculpem toda a demora a postar. 

Espero que gostem deste capítulo. Queria escrevê-lo com mais tempo, mas prometi que o fazia hoje porque amanhã já vou para a escola! Escrevi-o em cerca de meia hora hahaha espero que não esteja tão mal quanto isso e não tem muitas aventuras, mas tem o que eu queria.

Obrigada a quem lê, comenta e vota. Adoro-vos!

Até à próxima!

Homeless Boy In My Van |LH ✔Where stories live. Discover now