À Luz da Suspeita

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(um conto para se ler em voz alta, com duas pessoas. O narrador é lido pelos dois, em silêncio)



Um espaço? Ouve-se os passos pesados de alguém, aproximando-se. É um lugar, pois há chão, e a pessoa parou. Eu vejo daqui de fora com o pavor da dúvida: sequer vejo sua silhueta; ou será que consigo ver?

É alguém violento?

Portaria um revolver, ou uma faca?

Explosivos?

Tenho medo!

Não me pronunciarei, mas espero. Talvez não me veja. Certamente aqui está mais escuro que lá! Esta segurança é, neste momento, a única sombra de esperança que me mantem vivo.

Que espera terrível! Angustia-me do meu cerne até a aura sobre minha pele.

Atenção! Escuta! Ouço novamente passos... outros passos, embora tão pesados quanto os anteriores; vindos do mesmo lugar de outrora, mas indo para um lugar diferente. Lá deve ser a entrada. É mais alguém. Entrou naquele lugar, e parou num lugar diferente. Conhece o outro?

Conhecem-se?

Que pretendem fazer? Socorro! Por que entraram alí?

Permanecerei imóvel... gelado. Um frio de terror, tão paralisante que mortifica meus tremores. Ah! Se eu tremesse estaria perdido; porque seriam abalos convulsionantes e desesperados, tal minha angustia aqui. Lá é deveras escuro. Mas tenho que apegar-me a este chão e ser imóvel, porque seguramente aqui, onde estou, é mais escuro que lá. E se eu simplesmente aguardar, talvez não me vejam!

Atenção! Escuta! Ouvi um deles inspirar; naquela inspiração preparatória para falar!

– Lá fora há lugares mais claros que aqui dentro.

Agora eu rio por dentro! Um alívio... ouviste o medo? Um medo muito maior que o meu. É uma mulher, de voz que poderia ser doce e suave, que poderia ser uma voz forte.

– Não te apavores.

Silêncio! É o primeiro! Que maldição! Ele não tem medo na voz. E que voz! Uma voz vulgar... poderia ser qualquer pessoa, um conhecido de qualquer um. O que leva em sua alma? Está cheio de pecados, não há dúvida. E quanto sofrimento... Há algo de insegurança, talvez. Parece mais um receio, uma desconfiança...

– Não é medo – ela diz, querendo vencer o próprio medo, querendo não ser controlada por ele. Pela reação dela começo a lhe perceber melhor; é um manipulador. E vejo que não quer ser manipulada, não. De modo algum. Ela está prestes a sucumbir ao pavor, mas não vai se deixar ser controlada, não por ele. Parece que o conhece de outros lugares.

– Não cobices – Ah! Que desdém em sua voz! Um desdém tão sombrio que quase me permite ver a silhueta peçonhenta de seus lábios.

– Nem sei se é cobiça, embora meu orgulho seja grande.

Ela é perigosa... Socorro! Ela é mais perigosa que ele! Ah! Estou perdido, que aflição!

Preciso, pela vida, controlar meus soluços. Minhas lágrimas talvez revelem minha posição, talvez reflitam algum brilho lá de fora.

Ela é imprevisível! Há alguma característica da existência mais aterradora que esta? Sim! Há! O orgulho profundo. E seu orgulho é tão profundo que em seu pavor e desespero, luta contra aquele seu comandante e recusa a salvação que ele a ilude fazendo-lhe acreditar que possui para lhe dar. E se transveste de quaisquer outras farpas, para lhe engodar. E sua perniciosidade vai além: ela tem em si o ingrediente da mais vera tenebrosa peçonha: a asquerosidade da humildade seletiva. Uma humildade que atrai seus algozes à pena, e os transforma em escravos.

Contos enrustidos da loucuraWhere stories live. Discover now