Irmãzinha

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É uma sexta feira à noite, e o costume é meu pai chegar mais tarde pelo maior congestionamento da estrada, mas já passa das nove e eu começo a me preocupar.

Tento me manter tranquila convencendo-me de que por ser o dia anterior ao começo das férias de inverno, ainda mais tão chuvoso, era normal ele demorar mais.

Bem, a tempestade também explicaria seu telefone fora de área, está tudo bem sim.

Se estiver tudo bem, tenho o direito de voltar a ficar mal humorada por estar presa em casa cuidando de Isabela - minha irmã de treze anos -, não preciso sentir culpa por isso, não é mesmo?

Como meu pai ainda não chegou, providenciei a janta para nós duas, porém a louça suja eu deixo na pia como forma de protesto.

Está tão frio e eu só quero descansar um pouco, então deixo Isabela ver um filme em seu quarto.

E quanto a mim, coloco um pijama e vou até a sala onde faço o meu ninho de almofadas e cobertores, ligo a televisão e me deixo relaxar.

Vou adormecendo num sono tão leve que qualquer barulhinho me acordaria, viro de costas para a televisão e enfio minha cabeça no encosto do sofá a fim de driblar a luz e o barulho.

Meu descanso é interrompido pelo som da porta de correr deslizando com dificuldade no trilho, mas eu estou tão cansada e não quero ser incomodada pela Isabela, então resolvo fingir que não acordei.

Sinto-a sentar do outro lado do sofá e puxar as cobertas para si, o que me incomoda um pouco porque me destapa, mas mesmo assim permaneço imóvel.

Poucos minutos se passaram, mas eu já estou totalmente sonolenta quando escuto a porta se abrindo novamente, mas não a escuto fechar. Quando me viro a vejo aberta e grito para a minha irmã fecha-la, mas como sempre ela não acata meu pedido.

Está muito frio, se deixar a porta aberta o ar quente da estufa vai sair.

Mal humorada pelo sono interrompido me enrolo no cobertor e vou repreendê-la por essa mania de portas abertas.

Mas quando chego no seu quarto ela está deitada parecendo muito compenetrada nos desenhos no notebook, para chamar a atenção dou duas batidas no batente da porta, minha irmã nem se vira, só me dirige um "o que tu quer?". Minha raiva boba já se dissipou, mas ainda estou um pouco incomodada com essa mania recorrente, então só digo que tive que levantar para fechar uma porta que Isabela poderia ter fechado quando passou por ela e pedi que da próxima vez isso não se repetisse.

E ela me responde com "Que isso? Ta enlouquecendo? Eu tava aqui o tempo todo! Achei que teríamos mais tempo antes de tu ter Alzheimer também." Nossa, que surpreendente, sempre muito engraçadinha. Rebato afirmando que sei muito bem o que ouvi, a porta abrindo, e o que senti, os cobertores sendo puxados.

Ela começou a rir dizendo "quer saber, eu sei muito bem o que tu ta fazendo, tu quer me deixar com medo, mas não vai funcionar. Eu não sou mais tão idiota e tu não me assusta mais."

Muito a contragosto volto para a sala sabendo que aquela conversa não teria fim. Penso que deve estar pregando uma peça em mim, mas até mereço. Quando era pequena gostava de assusta-la, contar histórias de terror ou chegar de fininho e gritar. Uma vez até consegui convencer uma amiga dela que eu era uma bruxa e poderia amaldiçoa-la.

Já na sala desligo a luz e deixo o barulho da televisão o mais baixo possível. Num estalo lembro que meu pai ainda não chegou e confiro o relógio, quase onze horas. Meu coração aperta, mas não quero me deixar levar por pensamentos ruins. "Está tudo bem, está tudo bem, está tudo bem" fico repetindo na minha cabeça como um mantra.

Aninho-me novamente no sofá e vou adormecendo, torcendo para que esteja tudo bem mesmo.

Logo o barulho a porta me desperta de novo, e mais uma vez resolvo continuar quieta para não começar uma conversa, eu só quero dormir. "Pelo menos ela fechou a porta" penso.

Senta-se no mesmo lugar da ultima vez e igualmente puxa os cobertores para se tapar.

A tempestade está muito pior agora, começo a pensar se não seria mais prudente tirar os aparelhos eletrônicos da tomada, mas a preguiça me vence.

E então um estrondo muito forte me deixa atordoada ao mesmo tempo em que a televisão fica muda e a luz que escapava por baixo da porta se apaga. "Merda" penso um pouco antes de minha irmã gritar de seu quarto pedindo que vá acudi-la, "Bem, acho que ela ainda tem medo do escuro."
Chego até a dar um sorrisinho, até perceber: se ela está lá em cima, quem está aqui comigo?

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Espero que esse conto possa lhe conferir pesadelos. Caso tenha gostado, por favor, não esqueça de votar. Adorarei saber suas opiniões nos comentários.

SOTURNIDADE: Histórias de TerrorWhere stories live. Discover now