03:41

277 17 30
                                    







Eu sempre fui sensitiva.

Desde pequena sabia quando coisas ruins aconteceriam, é difícil de explicar, mas acho que eu era mais perceptiva que os outros. Era uma sensação desesperadora, sentir o mal chegando, porém não ter ideia de como impedir, me sentia completamente impotente.

Uma onda de... talvez melancolia, um desconforto repentino, sofrimento por algo que ainda não aconteceu e desconheço. A repentina percepção de alguns detalhes como mais significativos que outros sem motivo aparente.

Ninguém acreditava em mim, justamente por não saber explicar o que se passava na minha cabeça infantil.

Um pouco mais velha, acho que lá pelos doze anos comecei a sonhar com as coisas. Primeiro sonhava enquanto aconteciam.  Tive um pesadelo com a queda de um avião, acordei na madrugada assustada e contei para minha mãe das imagens na minha cabeça e pela manhã ao ligar a televisão descobrimos que tinha sido real. A mesma empresa aérea, no mesmo local, pouco antes de eu acordar, o mesmo acidente... Eu sei que pode parecer coincidência, mas eram tantos detalhes. Não foi a única vez.

Então que minha mãe disse que eu era sensitiva, ouvia essa palavra pela primeira vez, e ela passou a me chamar de "minha bruxinha".

Minha vida parece um mar de coincidências improváveis, às vezes me sinto pueril em pensar que existe algo a mais, às vezes esse algo mais parece óbvio demais para não existir.

Com aproximadamente 16 anos o meu "dom" evoluiu, já conseguia sonhar antes que acontecesse. Não podia evitar, de qualquer forma, mas gosto de pensar que tenha contribuído para amenizar as consequências, pelo menos psicológicas.

Era preciso ter envolvimento emocional forte para mim. Em geral eu sonhava infortúnios de pessoas próximas a mim ou acontecimentos de grande impacto que causavam muito sofrimento, na maior parte das noites continuava tendo os meus sonhos loucos e sem significado.

Eu sabia diferencia-los, pois antes de pegar no sono, naquele momento tênue entre realidade e sonho, para aqueles que não eram um amontoado de cenas criadas pelo meu cérebro que até hoje tentamos entender o motivo com psicanálise - para os premonitórios -, eu via três vezes flashes brancos quando fechava os olhos. Também diferiam no quão vívidos eram e no estado emocional que eu acordava.

Sonhos propriamente ditos, enquanto estou imersa neles acredito que são reais e quando desperto fico alguns segundos acreditando que ocorreram, até perceber que são frutos de minha imaginação.

Os premonitórios começam da mesma forma, mas parecem mais... intensos, não sei se essa palavra é a mais adequada. As cores mais vibrantes, ao contrário daqueles que meu subconsciente me dá, já que estes muitas vezes são desbotados, envoltos em uma névoa idílica, às vezes escurecidos e até mesmo sem cor alguma em raras ocasiões.

Sempre possuem a carga negativa de um pesadelo e no final eu estou com tanto medo que o meu cérebro me puxa bruscamente de volta. Sabe aquela sensação que se tem quando esta prestes a adormecer? O mundo fica leve, suspendemos no ar privados do peso de nossos corpos, e então ele retorna repentinamente, vem então a queda, o medo da queda – o mais primordial dos medos –, e nosso cérebro nos arrasta para a realidade.

Pouco antes de acordar eu percebo que não estou vivendo aquilo de verdade, mas é igualmente assustador. Eu sei que é um sonho, mas não posso controlá-lo, sou obrigada a viver aqueles últimos segundos de agonia. E o pior: saber que acontecerá em breve, com todas as suas consequências no mundo exterior a mim.

Justamente por isso estou apavorada agora.

Essa noite, vi os flashes brancos, sonhei que um homem havia entrado em meu apartamento, não era um roubo comum, nem mesmo um latrocínio. Ele era realmente sádico, eu não sei por que fizera aquilo.

Ele é doente. Doente não, isso aliviaria sua culpa, "coitado, foi levado a fazer aquilo por doença, que infortúnio que essa moça estava irresponsavelmente em seu caminho, dormindo despreocupada, nua em seu apartamento de uma tranca só".

É horrível, sem justificativa. Sinto asco, sinto medo. O Pavor me toma, meu estomago embrulha, quero chorar, gritar por ajuda. Eu fiz isso no sonho, mas a ajuda não veio.

Num pulo levanto e toco o interruptor ao lado da porta do quarto, a luz traz alivio. Por mais idiota que seja, a sensação de proteção na luz me acalma. Temerosa abro o armário, parece que meu próprio bicho papão irá pular de trás dos casacos. Fico uns segundos encolhida então mais do que ligeiro visto uma camisola, não quero ficar mais tempo do que o necessário com a cabeça coberta. Sinto-me idiota ao pedir proteção aquele fino pedaço de tecido que me cobre o corpo.

Estou tentando me convencer que é bobagem minha tanto medo, que é um pesadelo comum, eu sempre tive tantos. Sento na beira da cama ainda pronta para correr, adrenalina a mil em minha corrente sanguínea.

"Vi flashes", essa frase ecoa na minha mente. 

Devo estar enganada, já ouvi falar de falsas memórias. Eu os vejo segundos antes do sonho começar, não seria espantoso que eu esteja pensando isso somente por estar com muito medo, criei a memória de ver os flashes, eles nunca aconteceram. As pessoas vêem e se lembram das coisas de um modo diferente quando estão apavoradas, vi isso num documentário sobre o ET's, Pé Grande ou coisa parecida. É perfeitamente possível ser um erro de memória, repito mentalmente algumas vezes.

E mesmo que seja premonitório não significa que vai realmente acontecer, agora que sei posso impedir; bem, isso nunca aconteceu antes, mas sempre há uma primeira vez. Esta tudo bem, esta tudo bem.

Conto até dez tentando regular a respiração, preciso pensar com clareza.

Nada no sonho indicou que aconteceria hoje. Nunca sonhei com muita antecedência, entretanto meu dom evoluiu ao longo da vida, pode ter melhorado agora, não há porquê não. Esta tudo bem, esta tudo bem.

Vou até a cozinha e me armo da maior faca que pude encontrar, nem é tão grande assim, contudo me dá a sensação de que não estou completamente indefesa esperando pelo pior, isso já reconforta. Verifico a porta que  está trancada, com a lâmina em punho certifico-me que estou sozinha. Está tudo bem, está tudo bem.

Não demoro quase nada para conferir os cômodos do meu apartamento por cima, eu tenho 19 anos, é a primeira vez que moro sozinha, me mudei para fazer faculdade de Letras e pago o aluguel e outras contas sofridamente com meu emprego no shopping, é um lugar realmente pequeno.

Sou atingida por uma nova onda de pavor repentinamente, talvez não esteja tudo bem, volto a hiper-ventilar.

Talvez esse sonho seja premonitório, talvez ele vá acontecer ainda, é melhor dormir na casa de uma amiga amanhã, pelo menos até providenciar segurança melhor do que uma única fechadura na porta do apartamento, se bem que tem a do prédio e o portão.

Mas por hora precisa estar tudo bem. Eu tenho uma prova importante de manha, preciso me acalmar, preciso dormir, preciso estar descansada, preciso ficar bem.

Deixo a faca em seu devido lugar, sou capaz de dar um breve sorriso. Se aquele homem realmente estivesse aqui o que eu poderia fazer? Espetá-lo? Sorriu ao perceber o quão patética estava sendo. Está tudo bem, tenho que parar de bobagem.

Por via das dúvidas acho melhor ir atrás de um curso de autodefesa, pode ser útil. Faço a nota mental de ligar para o dono do apartamento e perguntar sobre por mais trancas, pedir a Larissa para passar a noite com ela, espero que o namorado dela esteja de folga.

Desligo a luz do quarto, me aconchego nas cobertas e levo a mão até o meu celular, quero saber o quanto essa aventura custou de minha noite de sono. Tateando no escuro tento calcular que horas deve ser mais ou menos e o quanto ainda poderei dormir. Talvez seja umas quatro horas...

- Cadê o meu telefone...? – o pensamento escapa em voz, "eu o deixei aqui carregando, tenho certeza" completei mentalmente.

- Esta comigo.

SOTURNIDADE: Histórias de TerrorWhere stories live. Discover now