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Cláudia

Ela estava com dificuldades para dormir, com tanta coisa na cabeça, tantos acontecimentos recentes. E sabia que Luíza também estava, pois ouvia ela se mexer de um lado para o outro na cama de casal, ao lado de Alice. Suspirou e se deitou de lado, de frente para Mariana, que balbuciava dormindo, e esperou que o sono chegasse. Adormeceu não muito tempo depois disso.

Cláudia dificilmente sonhava, tudo o que via era uma longa e densa escuridão. Mas, naquela noite em especial, sua escuridão tomou a forma de um casarão antigo, cheio de janelas e com a tintura exterior já desgastada. Esse casarão estava localizado nos fundos de um imenso terreno e era ladeado por muros altos com pontas de flechas. Havia um parquinho nos fundos, e ela viu crianças brincando.

— Você se lembra, Cláudia? — Ouviu alguém dizer, mas a voz era um eco distante, como se a pessoa a quem ela pertencia não estivesse dentro do sonho, mas sim sussurrando em seu ouvido.

Olhando para cima, percebeu que havia uma placa dizendo que aquele local que via se tratava de um orfanato. Fazia sentido, uma vez que as crianças usavam roupas de mesma cor. Os meninos que corriam pelo terreno de mãos esticadas brincando de pega-pega vestiam uma blusa cinza com uma calça preta e as meninas usavam um vestido também cinza com cinto preto na cintura. A sensação que tinha era de que aquele lugar era familiar, como se já tivesse estado ali num passado distante.

E então ela viu um carro preto adentrar os portões do orfanato e estacionar ali dentro. Quando a porta se abriu, um homem de terno saiu dele, parou para ajeitar a gravata e se dirigiu para as portas traseiras, abrindo-as, dando passagem para que uma menininha loira de olhos verdes descesse. Era ela.

O sonho mudou, como se tivessem passado meses ou anos depois daquela visão dela mesma adentrando aquele orfanato. Ela se viu com a mesma roupa que as crianças usavam naquele orfanato, seguindo os outros em fila para um grande refeitório. A menina Cláudia fez careta ao se servir de algo que parecia um purê de batatas, um pedaço de hambúrguer e um suco, e se sentou numa mesa onde haviam várias crianças comendo e conversando.

Uma mulher gorda com um óculos vermelho e um vestido floral passava de mesa em mesa para verificar se todos comiam, e ela viu a si mesma engolindo em seco quando a tal mulher se demorou observando ela almoçar. Quando saiu, as meninas ao seu lado cochicharam alguma coisa que ela não pôde ouvir e deram risada.

— Eu já disse para você comer — Ela ouviu a mulher gritar ao longe, e se virou para vê-la parada na última mesa, distante de todas as outras, onde uma menina de longos cabelos negros e pele branca estava sentada sozinha, olhando para o prato intacto.

Como a menina não esboçou reação, a mulher a pegou pelo braço e arrastou para fora do refeitório.

— Vai ter um castigo ainda maior dessa vez, Emily.

O sonhou mudou de novo, parecia ser o dia seguinte àquele. Ela viu a tal Emily sentada na balança chorando, completamente sozinha. Cláudia notou que a menina tinha marcas roxas e cortes nos braços e pernas. Ao redor, as crianças – inclusive ela – brincavam alegremente. A grande maioria parecia não notar a garota ali, e os que eventualmente notavam a olhavam com descaso e tornavam a brincar como se nada tivesse acontecido.

De repente, viu a mulher gorda do sonho anterior chamar alguém do orfanato, e vislumbrou a si mesma caminhar até lá, uma expressão de aflição no rosto. Elas seguiram juntas até um escritório no último andar onde um homem e uma mulher estavam sentados esperando. Eles sorriram quando viram a pequena Cláudia, a cumprimentaram alegremente e tiveram uma longa conversa com a mulher gorda - que na verdade se chamava Andréia - de acordo com o nome que constava escrito na mesa.

Depois do que pareciam minutos, eles assinaram vários papéis, se levantaram, acenaram para Andréia e desceram as escadas com a menina em seu encalço. Juntos, os três entraram em um Chevrolet Chevette e desapareceram rua afora.

No quintal do orfanato, Emily ainda chorava sozinha. Com pena, Cláudia se aproximou da menina do sonho, se perguntando porque ninguém queria ajudá-la. Sua vontade era de gritar com eles. De perguntar como conseguiam ser tão desumanos. Porém, quando se sentou de frente para a garota, a mesma a olhou diretamente nos olhos, como se a estivesse vendo.

— Como? — Pensou ela. Era um sonho, disso ela tinha certeza. Um sonho que na verdade era uma lembrança, mas a garota podia vê-la, e seus olhos eram de um negro tão penetrante que era impossível desviar o olhar.

De súbito, a garota ergueu a mão e segurou seu braço com força, ainda fitando seus olhos.

— Hora de acordar — Disse ela, e todo o sonho se transformou num redemoinho e se dissolveu.

Cláudia acordou com gritos histéricos vindo do andar de baixo e uma marca roxa no braço, exatamente onde a garota havia segurado.


Reencontro Macabro [Hiatus]Where stories live. Discover now