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— Fogo! — Gritou Mariana, ao perceber uma chama que se alastrava de um pano de cozinha caído ao chão até os pés da mesa onde estavam sentados.

Os demais se levantaram, pegos de surpresa, sapatearam sobre o fogo e afastaram os pés do local. Cláudia correu para a pia, encheu um pote qualquer de água e o virou, derramando-a sobre o fogo. As chamas se apagaram quase que instantaneamente. Ela se abaixou, agarrou o pano e o jogou na pia.

— Mas que droga! — Disse.

— É só eu ou tem coisas demais acontecendo nessa casa? — Falou Mariana, ainda assustada — Acho que devíamos ir embora.

— E ir para onde? — Disse Alice — Você se esquece de que as mesmas coisas aconteceram em Campinas. Ou seja, não importa onde a gente vá, vai nos perseguir. Emily vai nos perseguir.

— Então o que faremos?

— Vamos à biblioteca. — Cláudia tinha uma expressão séria no rosto — Preciso pesquisar sobre um orfanato. — E saiu pela porta, com o grupo em seu encalço

***

A biblioteca de São João Del Rei ficava bem no centro, longe da casa de Rômulo, então eles tiveram que se dividir em dois carros. O sol brilhava lá fora enquanto avançavam pelas ruas, e tão logo os terrenos vazios nas vizinhanças de Rômulo foram dando lugar para casas com terrenos muito verdes, prédios e estabelecimentos.

O centro estava abarrotado de carros circulando pelas ruas, bem como de pedestres caminhando totalmente alheios ao barulho de buzinas que soava ao seu redor. Como a biblioteca não tinha estacionamento, eles tiveram que deixar os carros num estacionamento próximo e ir caminhando até ela, que era um prédio de apenas um andar localizado no centro de um terreno com a grama bem verde e aparada, com muitas flores. Bem de frente para as portas da biblioteca havia a estátua em metal de um homem lendo um livro.

Como não tinham trazido nenhuma bolsa, o grupo passou direto pela recepção e adentrou o cômodo fresco e apinhado de prateleiras. Ao fundo, havia um aglomerado de mesinhas, algumas destas com computador. Cláudia se dirigiu até lá, uma expressão séria no rosto.

Logo o grupo todo estava sentado lado a lado e Cláudia iniciou sua pesquisa sobre orfanatos de Campinas. Várias imagens e reportagens apareceram, e ela foi deslizando o mouse pelas páginas e correndo os olhos pelos textos, praticamente sem piscar, mas não encontrou nada. Todos os orfanatos que encontrava eram totalmente diferentes daquele com o qual ela sonhara.

— Alguém pode me explicar o que estamos fazendo aqui mesmo? — Perguntou Mariana. Ela mexia os pés nervosamente embaixo da cadeira. Os demais fitaram Cláudia, ansiosos.

— Olha, vai parecer loucura — Disse Cláudia, relutante — Mas eu sonhei com um orfanato, e eu e Emily estávamos lá. Falando assim, parece besteira, mas eu senti uma certa familiaridade com o lugar, como se eu não estivesse sonhando e sim lembrando.

— Mas você não é adotada, é?

— Eu achei que não fosse, então mandei uma mensagem para minha mãe, sabe, só para ter certeza. Ela confirmou.

Um burburinho de choque se fez ouvir, mas ninguém se atreveu a dizer mais nada. Cláudia então voltou sua atenção para a pesquisa e, como última opção, ela tentou digitar "Emily, orfanato" e várias páginas apareceram. Ela clicou na primeira e esperou que o site carregasse. Se tratava de uma reportagem de 27 anos atrás, e nela estava escrito o seguinte texto:

Orfanato Dom Bosco encerra atividades

Após denúncias de maus tratos, o Orfanato Dom Bosco, localizado no centro de Campinas, é obrigado a fechar as portas permanentemente. As crianças que eles acolhiam serão encaminhadas aos demais orfanatos da região o mais rápido possível, após a realização dos exames psicológicos necessários. As autoridades, no entanto, se preocupam com uma órfã em particular, cujo nome é Emily, sem sobrenome.

A garota de apenas cinco anos de idade foi encontrada trancada em um armário de vassouras. Ela tinha os braços repletos de machucados e não comia há dias. Um cheio de xixi e fezes impregnava o cômodo, e havia uma lata grande cheia de dejetos próxima dela. A mesma será encaminhada ao hospital para a realização de exames mais apurados.

Embaixo do texto havia uma foto desfocada do orfanato em questão - um casarão antigo cheio de janelas e com tintura desgastada. No quintal, a tal mulher gorda do sonho estava em pé no topo das escadas da entrada, de cara amarrada e braços cruzados, e as crianças formavam duas filas horizontais nas escadas abaixo. No canto esquerdo um pequeno borrão formava o corpo de Emily, que ela conseguiu reconhecer apenas por causa dos cabelos desgrenhados. Pela forma como estava, a garota aparentemente tinha os olhos voltados para o chão.

Cláudia suspirou satisfeita. Era isso. Enfim tinha encontrado.

— Ela era maltratada — Exclamou.

— Ok — Disse Rômulo, relutante. — Mas o que isso tem a ver com a gente?

— Vocês não percebem? — Disse Cláudia — Dizem que pessoas que sofrem muito em vida tendem a ficar presas aqui, devido às más memórias. Ela absorveu todo o sofrimento e está liberando sua raiva agora, com a gente.

— Certo — Guilherme coçou a garganta — Considerando que você esteja certa, isso ainda não explica a razão de ela ter esperado dez anos para isso.

— Isso eu ainda não sei responder, mas saberemos, e então teremos como lutar contra ela.

Cláudia tornou a olhar a foto do orfanato. Era quase como se as crianças borradas estivessem olhando para ela, os olhos suplicantes. Emily estava parada ao longe, parecendo deslocada, o pescoço inclinado fitando o chão. Mas não era só isso. Havia um borrão em seu ombro que parecia uma mão, e ela seguiu com os olhos os braços de alguém que estava à direita de Emily. Das crianças da foto, aquela era a que estava mais borrada, mas através dos ângulos era possível perceber que tal criança fitava Emily atentamente. Era um garoto.

— Você está bem? — Uma senhora se aproximou dela e parou de frente para sua mesa.

— Eu? Hmm, sim, estou bem. — Respondeu Cláudia, sem entender a aparição da senhora.

— Não você, a garota atrás de você. Ela está toda molhada, coitada, não deviam sair com ela assim. — E apontou um dedo acusadoramente para Cláudia.

De súbito, ela se virou e olhou para trás. Os demais estavam com expressões de aflição no rosto. No entanto, tudo o que viu foram pessoas sentadas em mesinhas lendo seus livros ou fazendo pesquisas no computador.

— Mas que... — Começou a falar, mas a senhora já tinha desaparecido pelos corredores.

E então ela sentiu algo gelado em seu ombro.

Ele estava molhado.


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⏰ Last updated: Jan 07, 2020 ⏰

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Reencontro Macabro [Hiatus]Where stories live. Discover now