Nove.

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Ela me invadiu.

Foi simples assim.

Suas palavras me alcançaram, agarraram meu espírito pelo coração e o surrupiaram do corpo.

Foram as palavras e a voz, e Lauren e eu. E meu espírito, na rua silenciosa, tomada por sombras. Só me restou observá-la, enquanto, devagar, ela pegava minha mão e a punha delicadamente na sua.

Fazia frio e o hálito enfumaçado lhe fluía da boca. Ela sorria e seu cabelo ficava caindo no rosto, tão lindo e verdadeiro. De repente, os seus eram os olhos mais humanos que eu já tinha visto, e os leves movimentos de sua boca me chamavam. Senti sua pulsação na minha mão, batendo suave na minha pele. Seus ombros eram estreitos, e ela ficou comigo naquela rua que lentamente se inundava de escuridão. Segurando a minha mão. Aguardando.

Uivos silenciosos me perpassaram.

Os postes de luz se acenderam.

Continuei parada. Completamente imóvel, vendo-a. Vendo a veracidade dela, parada diante de mim.

Quis me abrir e deixar minhas palavras se derramarem pela calçada, mas não disse nada. A garota acabara de me fazer a pergunta mais fantástica do mundo, e eu estava completamente sem fala.

"Sim", quis dizer. Quis gritar e levantá-la do chão e abraçá-la e dizer "Sim, sim, vou ficar em frente à sua casa, seja quando for", mas não falei nada. Minha voz encontrou o caminho da boca, mas não saiu. Sempre tropeçava em algum lugar, e depois se perdia, ou tornava a ser engolida.

O momento foi retalhado. Despedaçou-se à minha volta, e não tive absolutamente a menor ideia do que aconteceria em seguida, ou se viria de Lauren ou de mim. Senti vontade de me abaixar e catar todos os pedacinhos e guardá-los nos bolsos. De algum modo, em algum lugar perto de mim, eu ouvia a voz do meu espírito, dizendo-me o que falar ou o que fazer, mas não conseguia entendê-la. O silêncio a meu redor era intenso demais. Deixou-me indefesa, até eu notar os dedos dela apertando os meus com mais força por apenas um instante.

E passou.

Lentamente, ela deixou sua mão se soltar, e estava acabado.

Minha mão baixou e bateu de leve na lateral do meu corpo, pelo impacto de quando Lauren a soltou.

Ela olhou.

Para mim, depois para longe.

Estaria magoada? Esperava que eu falasse? Queria que eu segurasse sua mão de novo? Queria que eu a puxasse para mim?

As perguntas ladravam dentro de mim, mas, apesar disso, não cheguei nem perto de fazer nada. Simplesmente fiquei parada ali, feito uma tola desventurada e incorrigível, à espera de que algo mudasse.

No fim, foi a voz da Lauren que extinguiu o silêncio candente da noite.

Uma voz baixa, corajosa.

Ela disse:

— Só... — Hesitou. — Só pense nisso, Camz.

E, depois de um instante de reflexão e uma última olhada para mim, deu meia-volta e foi embora.

Fiquei olhando.

Para as pernas dela.

Seus pés, caminhando.

O cabelo ecoando por suas costas na escuridão.

Lembrei-me também da sua voz, e da pergunta, e do sentimento que se avolumara dentro de mim. Ele gritava e me aquecia e me enregelava e se jogava dentro de mim. Por que eu não tinha dito nada?

A garota que eu quero (Camren | Intersexual)Where stories live. Discover now