Vinte.

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OLÁ. ATENÇÃO NAS NOTAS FINAIS, POR FAVOR.


Ouvi o barulho de novo, lá no porão. Os punhos de Vero esmurravam o saco de boxe. Ela estava ansiosa pela luta.

Era noite de terça-feira e desci para observá-la por algum tempo. Ela não me notou até terminar. Martelava o saco de pancada com as mãos nuas e tinha a respiração quente feito vapor a sair da boca. Ao vê-la de jeans e camiseta regata, compreendi por que as garotas gostavam tanto dela. Era atlética, com todos os músculos bem definidos. Não era grandona nem abrutalhada. Na medida certa. O cabelo castanho-claro caía no rosto e os olhos não tinham propriamente uma cor. Eram olhos de brasas partidas.

Ela apoiava as mãos nos joelhos quando reparou que eu a observava. A respiração estava arfante.

Ela se levantou e notou umas gotas de sangue em seus dedos. Ela não se importava, porque, para Vero, isso significava apenas que suas mãos estavam preparadas para a luta. Acostumadas com a dor e a nudez. Mãos nuas batendo em um rosto nu.

- Quer dar uns murros? - ofereceu, mas declinei. - Por que não? Você pode brigar bem, quando chegar a sua vez.

- Não, eu estou bem assim.

Eu já ia saindo quando Vero chamou:

- Ei, Cam. - Ela levantou a cabeça para olhar para mim, do porão. - Acho que estou acabando com aquela tal de Diana, sabe?

Fiquei surpresa.

- É mesmo? Por quê?

- Olhe só para mim! - Estendeu as mãos, com as palmas viradas para cima. - Tem um cara por aí querendo acabar comigo por causa dela. - Olhou para si, para o peito, a barriga, os pés. Vi que percebia a ironia da situação. Assim mesmo, declarou: - Ela não vale o trabalho que dá.

Meus pés me levaram de volta ao porão. Precisava perguntar uma coisa.

- Quer dizer que você já tem mais alguém na fila?

- Não.

Vero balançou a cabeça e voltou os olhos para a parede.

- Acho que talvez tenha aprendido minha lição desta vez.

Então subimos juntas para o térreo.

- Você ainda vai comigo no sábado à noite? - perguntou ela, algumas horas depois. - Para a briga?

Estávamos no nosso quarto, a luz já apagada. A escuridão do cômodo me envolvia quando respondi:

- É claro.

- Obrigado. - Vero soou incisiva. Pronto. - Não confio nesse cara.

- Você pediu para mais alguém aparecer? - perguntei. - Para o caso de esse outro cara resolver usar ajuda?

- Não. - Eu só conseguia ver o rosto dela vagamente, no escuro. Lascas de luz da janela batiam em seu rosto. - Nunca confiei em outras pessoas e não vou começar agora. - Soergueu o corpo, apoiado em um cotovelo. - Com você é diferente. Você é minha irmã.

Era o que bastava. Ela poderia ter continuado a falar, dito alguma coisa do tipo "E é isso que as irmãs fazem", ou "Eu faria o mesmo, se fosse com você", mas não havia necessidade. A conversa estava encerrada. Agora tudo o que restava era a escuridão.

Acho que irmã é irmã.

Só isso.

Na tarde de quinta-feira, fui até a casa da Lauren e esperei do lado de fora. Em geral, era assim que funcionava. Nós nos encontrávamos nos fins de semana e talvez uma ou duas vezes durante a semana. Era raro telefonarmos. Para ser sincera, eu não gostava de conversar por telefone. Ele me deixava nervosa, constrangida. Eu não sabia qual era a razão da Lauren. Talvez ela não gostasse da ideia de que passar horas intermináveis falando ao telefone era uma coisa que as garotas da sua idade costumavam fazer. Lauren não era uma garota como as outras.

Ela saiu uns quinze minutos depois.

Como sempre, fomos ao parque e nos sentamos encostadas na árvore. Lauren estava esperando. Por mim.

Suas pernas estavam estendidas e eu me levantei, depois me ajoelhei, pondo um joelho de cada lado do seu corpo. Beijei a pele de sua bochecha. Beijei sua boca e na lateral do pescoço, mordiscando de leve. Ela murmurou "não pare" e inclinou a cabeça, para expor o pescoço inteiro, e beijei os dois lados e afastei a gola da sua camisa social, para pôr a boca nas pontes que levavam aos ombros. Passei as mãos por seu cabelo.

- O que você quer que eu faça? - perguntei, mas, a princípio, ela só me puxou mais para perto.

- Só não pare - respondeu. - E me beije de novo.

O calor de seu hálito me inundou. Absorvi-a. Ela me possuía.

Senti minha pele rasgar-se, à medida que tudo foi ficando mais intenso e a boca de Lauren continuou a respirar pela minha. Era bruta e quente e gritava na minha boca. Sempre me dominando. Sempre querendo mais.

Querendo mais.

Essa foi a melhor parte, acho. Ela não me empurrou nem se afastou, como eu esperava. O que mais me estarrecia era seu jeito de sempre querer mais de mim. Quando sua boca se apossou do meu pescoço, meu corpo todo estremeceu com a sensação. A mão dela ficou por baixo da minha camisa. Seus dedos se espalharam por minhas costelas e acabaram na barriga, afagando, enquanto seus lábios me beijavam no pescoço e no rosto.

No fim, ela beijou meus lábios de leve, deixando-os afundarem devagar nos seus.

Apoiou a cabeça no meu ombro, e vi que estava à vontade. Foi gostoso poder fazê-la se sentir assim.

Fez-se silêncio por um tempo e eu ouvi trens entrando e saindo da estação. Entravam coxeando. Recomeçavam a andar.

Conversamos sobre o confronto da Vero, cada vez mais próximo.

- Você vai com ela, não é? - perguntou Lauren.

Ainda descansava a cabeça no meu ombro. Em certos momentos, seu nariz encostava na linha do meu queixo e eu voltava a me arrepiar.

- Tenho que ir - admiti. - Ela é minha irmã.

Lauren apenas ficou ali, e as nuvens correram pelo céu. Não adiantava tentar me dissuadir. Ela sabia e por isso nem tentou. Apenas disse:

- Só não vá se machucar, por favor. - Senti seus olhos subirem para meu rosto. - Está bem?

Fiz que sim.

- Prometo.

Ela sorriu, senti, e tornou a beijar meu pescoço, de leve.

Voltamos depois de um bom tempo e, quando a deixei no portão, ela não me deixou ir embora.

- Ei, Camz - disse. Tinha chegado a hora. Ela hesitou. - Você acha que gostaria de entrar, uma hora dessas?

- Ali? - perguntei, olhando para a casa.

- É...

Lembrei-me das palavras de Vero sobre nunca haver chegado nem perto de entrar, e me perguntei por que isso importava tanto, e por que era tão importante para mim. Quer dizer, era só uma casa, pelo amor de Deus.

Era mais que isso, porém. Lauren me disse por quê.

- Antes de você, Camz, e antes da Vero, houve um cara que me machucou lá dentro. Meio que me bateu quando eu não... Você sabe... - As mãos dela apertaram o portão. - E eu jurei à minha mãe que nunca mais levaria para casa ninguém que eu não amasse com todos os pedacinhos do meu ser. - Ela sorriu, mas também estava sentindo dor. - Então, em breve, tudo bem?

- Tudo bem - respondi, abraçando-a no portão.

Quase disse quanto lamentava pelo que havia acontecido, e que eu nunca seria capaz de magoá-la daquele jeito. Mas, de algum modo, eu sabia. Era o bastante. Ela e eu e o portão.


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Acho que está claro a razão da insegurança da Lauren em certos pontos do relacionamento dela com a Camila. Ela passou por um momento ruim nas mãos de um agressor. Isso me deixa péssima e quebra o meu coração. É sempre bom lembrar que nenhuma garota tem que passar por isso. NINGUÉM tem o poder de fazer qualquer coisa com uma garota sem que ela concorde. Agressão é agressão, mesmo vindo de uma pessoa próxima a você.

A garota que eu quero (Camren | Intersexual)Onde histórias criam vida. Descubra agora