— Eu vim me certificar que você não se enforcou com o chuveirinho do banheiro. – falei mais para as paredes do que para Tomás, fechando a porta às minhas costas.
- Por pouco. – foi a resposta fraca que ressoou do quarto principal.
O apartamento do meu irmão estava um lixo havia semanas. O simples ato de caminhar da porta até a cozinha fazia com que eu chegasse ao outro lado com as mãos cheias de lixo a descartar, da mais variada natureza: caixas de comida congelada, garrafas de bebida e filtros de cigarros – o que era preocupante, pois Tomás há muito deixara de fumar. E eu achava que já tinha visto o pior, até ele se juntar a mim na cozinha ainda vestindo pijamas, muito embora já fosse tarde avançada, os cabelos em cachos desgrenhados e rosto amassado de quem dormira até depois do meio dia. Tirou da geladeira uma cerveja grande e virou-a goela abaixo, sem nem se dar à cerimônia de usar um copo.
Ou colocar alguma comida no estômago antes.
- Isso é ridículo. – resmunguei, tentando tomar a garrafa das mãos branquelas dele – Ela é só uma menina, Tom.
Ele revirou os olhos e deu mais uma golada na cerveja. Eu, que detestava destinatária de qualquer ironia ou insolência, ainda que vindas de pessoas emocionalmente arruinadas, alfinetei:
- Você tinha que estar preocupado se ela não quisesse transar com garotos para começo de conversa. – dei uma risadinha, já que era muito difícil imaginar Santa Alana dos Suéteres de Gatinho como alguém que quer fazer sexo – Pelo menos ela é uma garota normal.
Tom torceu o nariz, odiando que eu me referisse a ela como uma garota normal. E eu odiei que ele pensasse dessa forma, porque ela era normal sim. Normal, igual a todas as outras filhinhas de papai d aquela porcaria de Colégio, e só porque ele resolvera que ela era digna de alguma atenção – porque ela aparentemente é capaz de juntar um punhado de palavras numa folha de papel ou o que seja –, isso parecia destacá-la das demais.
Como se a validação da existência dela devesse passar pelo crivo dele.
Argh, homens.
- Eu não sei do que você está reclamando. – insisti na implicância, e tudo que Tom fez foi revirar os olhos enquanto arrematava um último gole; não fui inibida por sua falta de interesse, afinal, sendo a única adulta do mundo que sabia das aventuras de Tomás pelo jardim da infância, se eu não jogasse coisas na cara dele ninguém jogaria – Foi você que colocou essa ideia de transar na cabeça dela, para começo de conversa.
- Eu não. – ele se defendeu pela primeira vez – Era ela quem vinha atrás de mim.
- Só depois que você a rejeitou. – rebati, dessa vez agarrando a garrafa vazia em suas mãos e depositando-a no lixo, para evitar que ele perpetuasse a transformação daquele apartamento em um aterro sanitário; ele simplesmente estendeu a mão até a geladeira e pegou mais uma garrafa, num claro ato de desafio; eu ignorei e prossegui: – Para parecer que a ideia não foi sua, pra se eximir da responsabilidade. Se ela quer, tudo é permitido, certo?
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Não Confie Nas Boas Meninas
Teen FictionAlana David e suas melhores amigas, Brenda e Silvia, são o tipo de garotas que nunca se metem em problemas. Sempre chegavam em casa antes das dez, não fumavam cigarros e não se metiam com os garotos da escola pública. Eram conhecidas no Colégio Sant...