CAPÍTULO 4

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O baile foi organizado em um salão muito bonito. A decoração combinava com o tema da igreja, rosas vermelhas, o que me deixou bastante receosa a princípio. O resultado final foi surpreendente; novamente, dei o braço a torcer. Tenho uma implicância gigantesca com rosas vermelhas.

Já caiu sua ficha que todo homem safado, quando trai a esposa e fica quatro dias sumido no meio da rua, quando volta, fedendo a álcool e cigarro, cheio de manchas de batom no colarinho e na cueca, barba por fazer, e a maior cara de pau do mundo, carrega um buquê de rosas vermelhas? E o pior é que quando volta, acha que tá abafando.

Definitivamente, a decoração não foi propriamente o tema mais importante da noite. Pelo menos não para mim. Mal sabia a importância que aquela festa teria na minha vida.

Meu estado de tensão era bastante natural, pois participara de todos os preparativos daquela festa, mas, ao mesmo tempo, achava que minha responsabilidade era muito grande. Era mais ou menos assim: se a banda resolvesse tocar moda de viola, ou o bufê resolvesse servir farinha com rapadura, acharia que a culpa era minha. Nada contra a moda de viola, feijão com farinha. A caipirinha com rapadura é a minha favorita.

Depois que as coisas já estavam mais ou menos encaminhadas, decidi que poderia tomar uma taça de espumante para dar uma relaxada. Espumante não tem cara de casamento? Fico extremamente frustrada quando vou a um casório que só estão servindo cerveja e vinho. Tem que rolar pelo menos uma cidra safada, de 3ª categoria, para fazer a alegria da galera. Ainda bem que a Laura concordou comigo nesta questão, pois em caso de negativa eu ia levar a minha garrafa debaixo do braço! Ah, se ia!

Esperei o garçom e peguei meu drinque. Sentei, pois não aguentava mais ficar de pé. Meus dedos queriam saltar da sandália. A dor era torturante. Mulheres fazem qualquer coisa por vaidade. Beleza é dor. A dor é sua amiga.

Fiquei ali bebericando, passando o dedo na borda do copo porque sempre vi que nos filmes as mulheres charmosas, quando querem parecer descoladas, fazem isso; acabei pegando essa mania, aliás, acho chique.

Tenho uma certa fixação por filmes. Sempre imagino como seria minha vida se tivesse um diretor de cinema comandando tudo. Qual seria a trilha sonora? Eu gostaria que fosse algo bem glamouroso, na voz de Caetano Veloso, que é chiquérrimo! Isso sem contar que se não fosse uma super produção holywwodiana, não ficaria nada feliz. Nada de filme nacional, com direção do Jorge Fernando. Para fechar com chave de ouro, um tipão como o Antonio Banderas seria o meu par perfeito.

Enquanto nenhum gênio do cinema mundial descobre que eu seria a escolha perfeita para um filme intenso e meloso, voltei para a vida real e fiquei imaginando o motivo (chegando a conclusão óbvia de que ele não existe) das mulheres usarem salto alto. Na verdade, durante algum tempo, no início da adolescência e das minhas incursões com o salto alto afora, cheguei a criar uma teoria defensora de que os homens inventaram esse tipo de sapato para as mulheres, justamente para que nós não conseguíssemos mandar neles, nem ter nenhuma disputa física onde sairíamos vencedoras, de modo que, sem equilíbrio, nada disso é possível. Numa guerra, com certeza perde quem está de salto alto. E no futebol também.

Logo percebi o João Thomas se aproximando de mim. Fiquei olhando para ele, fazendo uma análise. Ele era daquele tipo bonito, sem chamar atenção. Barba bem feita e cabelo bem cortado (mas também se ele não fizesse a barba e cortasse o cabelo no dia em que ia ser padrinho de casamento, poderia ganhar o título de relaxado do ano). Ele veio andando devagar, meio gingado, com um jeito malicioso, e conforme se aproximava ia abrindo um sorrisão.

– A festa mal começou e você já está cansada?

– Para mim esta festa começou já tem meses! – abrindo um sorriso amarelo.

– O Pedro me falou que você e a Laura fizeram tudo. Estão de parabéns.

– Pois é ... – imaginando que tinha acertado e que ele era um chato de galocha como o Pedro, porque só assim para puxar um papo tão boçal como aquele.

– Ei, você gosta de forró? – mudou bruscamente de assunto, assim que a banda começou a tocar uma música do Luiz Gonzaga.

– Eu adoro forró! – uma pontinha de esperança se acendeu na minha mente.

– Então vamos dançar.

Pegou na minha mão e me levou até a pista de dança. Repentinamente, meus pés pararam de doer, e rodávamos os dois, embalados pelo xote. Ele fazia com que me sentisse leve, puxava e soltava de forma peculiar. Não senti o tempo passar nem o corpo cansar. Apenas rodopiávamos de forma exata, sem erros ou devaneios. Nossos passos pareciam ter sido ensaiados há meses; naturalmente deixávamos o corpo bailar.

Fui capaz de sentir seu cheiro enquanto enfiava minha cabeça no seu peito. Um cheiro bom, de homem másculo. Seu hálito quente vinha direto no meu ouvido, deliciosamente, quando ele ficava sussurrando as letras das músicas, fazendo com que os pelos do meu pescoço se arrepiassem imediatamente.

Dançamos umas oito músicas seguidas, e só paramos porque a banda cansou de tocar forró e começou a tocar salsa. Só que aí já era swing demais para mim. Eu precisava dar um jeito de parar com aquele pequeno show.

– Vamos beber! – fiz o convite com um sorriso franco. – Você me deixou morrendo de sede e completamente exausta.

– Que pena que você ficou tão cansada... Eu estava cheio de planos para essa noite – me exibiu seus dentes brancos como pérolas, com um sorriso totalmente maldoso.

Sentamos e começamos a beber. Descobrimos que tínhamos muitas coisas em comum. O forró já não era mais segredo, e fora isso, éramos fãs de Raul Seixas. Ficávamos horas lendo ininterruptamente. Ostra era nosso prato preferido e tínhamos planos de casar antes dos 40.

Conforme o espumante ia subindo à minha cabeça e, no caso dele, o uísque, mais eu ia achando que ele era o homem da minha vida, a tampa da minha panela, a meia velha do meu pé doente. Não sei se também era efeito do porre, mas tinha a sensação de que ele já me amava profundamente, pois, para mim, já amava.

Achei legal que não falamos nada sobre a nossa vida real. Nada como emprego, onde moramos ou formação profissional. Falamos apenas de sonhos e desejos. Fui me aproximando lentamente do seu rosto. O cheiro da loção de barba dele era divino! Não consegui manter minha boca fechada e falei para ele.

Percebi que seus olhos eram verdes e iam a cada minuto se aproximando mais dos meus, pretos; quando dei por mim, estávamos trocando beijos apaixonados, regados a muito espumante e uísque.

Ser Clara - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now