Capítulo 1 - Introdução

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Alexandre Negri era um exibido. Ele fazia questão de mostrar a todos que sabia muito sobre tudo, tinha sempre um comentário espertinho na ponta da língua e um adendo temporal a fazer em qualquer conversa. Como se andasse com o currículo tatuado na bunda, ele não sabia não se mostrar a pessoa com o maior QI do recinto.

Não sei qual era o problema dele. Se seus pais o rejeitaram no berço, se teve uma infância difícil sofrendo bullying ou se alguma vadiazinha o chamou de burro ao lhe dar um fora, mas pouco me importava. Seu jeito de moço sabidão era insuportável. 

Eu observava com desprezo sempre que ele se aproximava da minha mesa de trabalho, já prevendo a quantidade de fatos e estatísticas que ele vomitaria em cima de mim, como se precisasse me fazer menor. Como se tivesse a necessidade de se provar o pica das galáxias, ainda que eu não achasse mérito nenhum despejar conhecimentos tão aleatórios sobre como eu me sentava errado, ou sobre como o meu modo de escrever dizia muito sobre minha personalidade. Ele fazia questão de ler esses artigos na internet e esfregá-los na minha cara. Porque parecia que não bastava saber até o avesso de história, economia e política, ainda lhe restava espaço no cérebro de amendoim para aprender coisas desnecessárias que pudessem infernizar minha vida.

Eu queria muito mesmo conseguir não dar ouvidos. Me concentrar no que quer que estivesse acontecendo na tela do meu computador ou nos diversos papéis de processos espalhados pela escrivaninha, mas nunca conseguia fazer o que ele dizia entrar por um ouvido e sair pelo outro. 

Era sutil. A próxima vez que assinasse um documento, repararia na inclinação da minha grafia, e na outra que fosse me sentar, policiaria a curvatura dos meus ombros. Porque Alexandre Negri não podia apenas me irritar e dar o fora, ele tinha que penetrar minha mente e mexer com os meus sentidos até que eu rugisse de raiva longe de sua presença estarrecedora.

Às vezes eu observava sua boca se mexendo, derramando linhas de livros intelectuais e argumentos bem pautados, e me dava uma vontade grotesca de me levantar e calá-lo com qualquer artifício do qual eu pudesse fazer uso. Um pedaço de papel amassado, uma mordaça, uma maçã, minhas mãos, ou, quem sabe, minha própria boca.

Tudo bem, digamos que a ordem de preferência está um pouco invertida. E que, sim, enfiar minha língua na garganta daquele homem irritantemente inteligente era, de fato, algo que eu desejava. Eu tinha certeza que não era louca: era apenas o modo que o meu corpo tinha encontrado de lidar com o ódio. Ele explodia nas minhas entranhas e lacrimejava para fora até deixar minha calcinha molhada. Toda aquela sabedoria causava o esfregar inevitável das minhas coxas e era muito normal e biológico e tudo que eu precisava fazer era gritar para a minha vagina algumas vezes que nada ia acontecer, e que era melhor ela se aquietar.

E aí ela me gritava de volta que não era assim tão fácil, e eu era obrigada a ajudá-la de alguma forma, pensando nele sussurrando acontecimentos históricos ou qualquer outra bosta no meu ouvido até atingir o clímax.

Enfim, não éramos muito bem resolvidas minha vagina e eu quando o assunto se tratava dele.


Monique Lima era a definição da cara de pau. A mulher falava o que bem queria, na hora que queria, do jeito que lhe apetecia, e ai de quem ousasse contrariá-la. Sua grosseria sem escrúpulos era de me tirar do sério. Entrava em uma sala como se fosse dona do lugar, proferia todo tipo de comentário sincero além da conta e lidava com as caretas de desgosto que recebia com o queixo erguido e ar de superior. Era uma baita de uma arrogantezinha de merda, que se achava tão boa que se dava ao direito de falar o que quer que rondasse sua cabeça.

Seria muito bom poder dizer que nada que deixasse seus lábios me afetava. Mas não havia como não dar atenção. Justamente por ser tão essencialmente sincera a beirar a rudeza, era imprudente duvidar do teor de suas críticas. Se ela te dizia que sua gravata estava amassada, ou que você parecia um moleque virgem em uma argumentação de assédio sexual, não importava que tivesse perdido a noite em claro passando a maldita da gravata e decorando os pontos principais do seu ataque: você precisaria arregar e pedir ajuda para um colega te auxiliar, tanto no processo quanto no empréstimo de uma gravata decente para a audiência.

E isso me tirava do sério. Como questionar ou criticar alguém que só é brutalmente honesto? Você pode espernear e discutir o quanto quiser. No fim do dia, ela tem a razão, e você é só um filho de mamãe pedindo por gentileza e mentiras confortáveis. 

E falar as coisas na lata dessa maneira só podia exigir uma de duas coisas: um coração de pedra ou uma coragem invejável. Eu tentava me convencer que o caso de Monique era o primeiro. Que ela não passava de uma mal amada ranzinza, que vivia com uma dezena de gatos e machucava os outros para se proteger de sua própria solidão agonizante. Mas, no fim do dia... No fim do dia eu me pegava admirando sua coragem.

Eu sabia que solidão não era um problema do qual ela sofria. Estava sempre acompanhada dos mais cobiçados partidos do mundo jurídico, e as curvas que seu vestido delineava não deixavam mentir que outros tantos faziam fila. Era bem resolvida e dona de uma beleza ímpar que gritava aos sete ventos a facilidade que qualquer um poderia ter para cair de quatro por ela, para apaixonar-se sem retorno. Então, não importava o que eu sentia necessidade de afirmar para mim mesmo - a primeira opção não era a certa. Monique Lima estava longe de ser mal amada.

O que me deixava com a alternativa mais difícil de engolir: que ela era apenas corajosa e destemida daquele jeito, e que eu que não tinha tamanho para entender ou aceitar todo aquele monumento de mulher.

E por isso eu a odiava ainda mais.

E desejava na mesma proporção.

Sua fala ferina me dava vontade de jogá-la contra uma mesa qualquer e rasgá-la na frente de todo o escritório, para aprender a falar as verdades certas. Cada novo fato que eu aprendia para usar contra ela e deixá-la sem fala servia para estimular minha mente masoquista, que a pintava em um cenário diferente onde ela rosnava elogios certeiros e gemidos positivos sobre minha performance entre quatro paredes.

Travávamos uma guerra declarada porém silenciosa e ao mesmo tempo uma dança sensual sutil regada a muita tensão sexual. Ou, pelo menos, era o que eu achava. Não sobre a parte da tensão sexual - isso era bem óbvio para mim, e tenho certeza que para ela também -, era a parte da sutileza a que eu me referia.

Eu achava que éramos sutis em nossas brigas veladas e olhadas de cobiça... Até aquela noite em especial.

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