Capítulo 2 - Festa

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Era uma festa do escritório para bajular os nossos grandes parceiros. Todos os advogados da firma estavam lá, com acompanhantes esbeltas e ternos caros, e eu não era exceção. A não ser pelo fato de que eu não tinha uma acompanhante e por isso podia cuidar da vida dos outros o quanto quisesse. 

Ria sozinho dos homens carecas e barrigudos que ostentavam esposas troféu, das damas de meia idade excessivamente arrumadas que traziam garotos de vinte anos a tira colo, e de um ou outro estagiário cuja tremedeira era visível mesmo há distância.

Estava me divertindo especialmente observando um jovem franzino que pulava de roda de conversa em roda de conversa levando champanhe para todos como se aquela fosse a oportunidade da sua vida de conseguir um bom emprego. Eu sabia que meu chefe, o senhor Abrahão, odiava esse tipo solícito de puxa saquismo, e portanto ria em silêncio encostado a uma parede próxima ao bar. Até que meus olhos foram atraídos sem aviso para a porta de entrada do salão. 

Usando um vestido longo e colado com uma abertura tentadora que ia até o alto da coxa torneada, Monique observava o ambiente com seu ar habitual de superioridade. Seus olhos bem maquiados estavam em fendas, como se assim a ajudassem a encontrar os problemas e alvos que iria criticar sem piedade. Um nó desagradável no meu estômago me informou o quanto eu não gostava daquela mulher e de suas manias irritantes, ao mesmo passo que a gravata me parecia apertada demais com a súbita elevação da temperatura do local. 

Seu olhar pousou em mim, e após um passeio minucioso dos meus pés até o último fio de cabelo, Monique abriu o sorriso debochado que ela parecia reservar especialmente para mim. E algo naquele sorriso me fez ter certeza de que ela iria caminhar com graciosidade até onde eu estava e criticar até a alma da minha mãe morta, se não tivessem-na parado no caminho.

Suspirei grande parte em agradecimento, e me virei para pegar um novo copo de whisky antes de fazer um social. 


Eu estava a um passo de ir perguntar a Alexandre se toda a pesquisa incessante de assuntos aleatórios que ele fazia não tinha lhe dito que não se usa sapato fosco em eventos de gala, por mais que ele seja social. E também, que era de péssimo gosto carregar uma caneta no bolso do terno, independentemente do quão necessária ela viesse a ser: qualquer tralha que não fosse um lenço de seda havia de estar nos bolsos de dentro ou deveria ser deixada em casa. Ah, sim, o caso de amor dele com o Google não havia sido de muito uso agora, não é? 

Ok, eu só queria deixá-lo perturbado. Não que ele não estivesse errado sobre o sapato e a caneta: estava; mas tenho certeza que eu era uma das poucas - se não a única - pessoas daquele recinto que reconheceriam suas falhas. E muito provavelmente era também a única que se daria ao trabalho de ir falar algo a respeito.

Mas, enfim, haviam interceptado minha marcha furiosa até ele, então eu teria que me calar por hora. 

Era um senhor que eu nunca tinha visto antes. Ele me dizia que admirava meu trabalho, comentava de uma audiência minha que assistiu da plateia, e eu logo tinha um sorriso no rosto enquanto ouvia seu relato. Afinal, se tinha algo que ganhava a minha simpatia era reconhecer meus méritos.

Podia observar Alexandre rindo alto em uma roda do outro lado do salão, entre duas mulheres bem arrumadas e um dos estagiários novos. Parecia ser um assunto interessante e eu me perdi imaginando o que poderia ser por um segundo. O cavalheiro com quem eu conversava sentiu a necessidade de chamar a minha atenção para si com um toque delicado na minha cintura. 

E de uma hora para a outra o clima do diálogo mudou completamente. 

Não sei se o homem achava que o motivo de eu ter esticado meu pescoço para o entorno era porque estava à caça ou se não foi necessário qualquer incentivo, mas a partir daquele momento ele fez questão de fazer investida atrás de investida. Elogiava meu vestido e a cor do meu batom. Chegou a passar os dedos atrevidos pelo pingente do meu colar e eu comecei a ficar verdadeiramente incomodada.

Se um homem elogia seu vestido, é porque está elogiando seu corpo. Se faz qualquer comentário sobre sua boca, é porque quer te beijar. Falar do colar por si só já seria um passo mais ousado, pois faria referência ao decote, mas tocá-lo... Ah, ele estava assumindo que eu havia lhe dado uma intimidade que não existia. 

Eu ainda não sabia quem ele era. Era velho o suficiente para ter longa história no mundo jurídico e suas vestes eram caras o bastante para indicar sociedade ou parceria em algum escritório grande, de forma que eu achei por bem morder a minha língua e afastá-lo gentilmente.

Ele pareceu pegar a dica por apenas dois segundos antes de voltar a fazer comentários inoportunos e tocar meus braços e costas sempre que achasse uma desculpa. 

Tentei me lembrar das aulas de Yoga e incorporar qualquer Gedai que me impedisse de dizer qualquer desaforo extremamente pertinente e prejudicar a imagem da firma em que eu trabalhava.

Inspira, expira. Inspira, expira.


Eu estava convencido de que a qualquer momento um vento bateria e eu ficaria vesgo. 

Mentira, eu sabia que essa história era mito, mas era uma boa metáfora para o que eu estava fazendo no momento, que era basicamente olhar para o rosto das pessoas com quem conversava e ao mesmo tempo vigiar o que acontecia com Monique do outro lado do salão.

A princípio eu o fazia porque ela estava deslumbrante e absurdamente gostosa naquele vestido, e minha visão se cansava se ela não lhe era apresentada de tempos em tempos. Mas então eu notei uma movimentação suspeita entre ela e homem com quem dialogava e... Algum alarme soou na minha cabeça. 

Ele passava as mãos pelas curvas dela na cara de pau e suas caretas de incômodo eram bastante óbvias. Eu via ela se esquivando, empurrando o braço dele com sutileza e sabia que tinha algo errado. A Monique a que eu estava acostumado já teria gritado algumas verdades na cara do sujeito e ele já estaria chorando em algum banheiro próximo há alguns minutos.

Havia algum motivo que me deixava claro que ela não estava conseguindo se livrar dele sozinha, por mais que quisesse. E aconteceu de eu estar disponível para ajudar na empreitada, então... Por que não fazê-lo, certo? 

Pesei minhas opções e fingir ser seu acompanhante me pareceu a mais segura. Podíamos ter chegado separados, mas isso nada significava no mundo de hoje, e estar indisponível seria um motivo espetacular para que o velho a deixasse em paz. De quebra, eu quem ganharia a regalia de tocar sua cintura perfeita, ainda que apenas para o bem do teatro.

Respirei fundo e com um último sorriso educado para meus interlocutores, caminhei em sua direção.

PARTITIONWhere stories live. Discover now