Capítulo 3 - Existe Amor em São Paulo

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Aos 10 anos, eu era apaixonado por uma garota da minha escola, mas quando enfim dei meu primeiro beijo nela, aos 15 anos, recebi a notícia de que me mudaria para São Paulo. Agora eu era um garoto apaixonado vivendo em São Paulo, e não existe amor em "Sampa".

Combinei com Raquel que daríamos um jeito de nos ver, afinal eu a amava. E assim seguimos nossas vidas: Eu em São Paulo e Raquel em Salto de Pirapora. Estávamos separados por 121 km de distância, mas eu mantive minha promessa e retornava à minha velha cidade pelo menos uma vez por ano para vê-la.

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Os anos assim passaram, e chegamos a acreditar que não éramos mais apaixonados um pelo outro. Quando eu estava no segundo ano da faculdade de jornalismo, me afastei de Raquel devido a um namorado ciumento que ela arrumou em Salto de Pirapora.

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Alguns meses depois que Raquel se formou, e recebi uma mensagem dela dizendo que viria morar na capital, pois não conseguiu nenhum trabalho como psicóloga na nossa antiga cidade.

Meu coração palpitou com a possibilidade de rever Raquel, e eu nem soube o motivo, achei que fosse só felicidade em rever uma antiga amiga.

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Quando chegou o dia da mudança de Raquel para São Paulo, olhei para o relógio da pequena salinha em que eu trabalhava a cada segundo do dia. Eu não sabia por que, mas estava ansioso demais para a chegada da minha amiga.

Quando finalmente o fim do expediente chegou, mal podia esperar para ver Raquel de novo. Em função disso, fui para casa e tomei um banho rápido; me arrumei e saí rumo ao aeroporto de Guarulhos, onde ela chegaria de nossa antiga cidade. Durante o percurso, vi muitas pichações onde se lia "Não existe amor em SP", eu fiquei pensando se realmente não existia amor em São Paulo. Mas por que São Paulo? Não é uma cidade como outra qualquer? Se não existe amor em São Paulo, não existe amor em lugar nenhum do mundo. No fundo, eu sabia que os muros estavam errados.

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Raquel estava atrasada, 10 minutos, será que estava tudo bem? Será que ela esqueceu que eu é quem era responsável por busca-la e leva-la até sua nova casa? Será que ela simplesmente não queria me ver? Todos esses pensamentos corriam pela minha cabeça, um mais rápido que o outro, mas de repente todos se acalmaram: eu a vi. Ela estava ainda mais bonita do que me lembrava, seus cabelos ruivos agora desciam encaracolados até a cintura, onde trazia amarrada uma blusa de frio. Parei de contemplar sua beleza e corri para um abraço, e de repente comecei a tremer sem saber a razão.

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Durante todo o caminho para sua nova casa, conversei com Raquel, mas como esse tempo não foi o suficiente para colocarmos em dia toda a conversa que acumulamos por todos esses anos ela me convidou para entrar em sua casa que já estava mobiliada.

Os pais de Raquel tinham dinheiro, tive certeza que eles mandaram alguém mobiliar a casa com os novos móveis que compraram para ela. Mas isso não vem ao caso.

O que vem ao caso é que, apesar de mudada, aquela ainda era minha Raquel, a Raquel que deixei há tantos anos em Salto de Pirapora e de quem não me esqueci nem por um dia. Eu podia chama-la de "minha" agora, porque entre muitas mudanças ela não tinha mais namorado.

Quando o relógio já batia dez horas, eu percebi que tinha que ir. Raquel insistiu para que eu levasse a pizza que compramos, mas eu insisti em deixa-la. Despedi-me de Raquel com outro abraço, que me fez tremer de novo. Naquele dia, combinamos de jantar em um restaurante italiano no dia seguinte.

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E assim se passou o tempo: nos víamos duas ou três vezes por semana, e eu sentia algo cada vez mais forte por ela, era como se tivéssemos 10 anos de novo, mas dessa vez eu sabia como fazer para tomar a iniciativa, só precisava do sinal verde.

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Só recebi sinal verde seis meses depois da mudança de Raquel, e nesse instante eu me lembrei dos muros que vi quando estava indo busca-la no aeroporto: eles diziam que "não existe amor em SP", e eu provei que estavam errados. No mundo atual não existe amor nas pessoas, e as pessoas fazem as cidades. Durante os seis meses que passei com Raquel em Sampa, vi que o amor existe em qualquer lugar, mas você tem que colocá-lo lá. O amor do mundo todo só depende de você e da sua disposição em ajudar o próximo, desde regar uma planta a alimentar um morador de rua. O mundo, assim como as cidades, é construído por nós, e cabe a nós fazer dele um lugar cheio de amor.

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Eu, Gabriel Galvani Valdeck, mudei um pedacinho do mundo com meu amor. Você pode mudar mais um pouco com o seu, e seu vizinho com o dele. Juntos, vamos mudar o mundo.

Hoje completam 73 anos desde que dei meu primeiro beijo em Raquel, e sei que foi nesse dia que começamos a mudar o mundo. Hoje temos a ajuda de nossos filhos, netos e bisnetos para mudar o mundo.

-Este é um texto fictício, escrito por Isabela Doutel

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