Start Of Time

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Os dedos trêmulos abriram o pequeno isqueiro revelando a chama tímida. Um relâmpago riscou a janela coberta pela cortina fina antes das paredes estremecerem com o trovão violento. Podia ouvir o barulho da chuva caindo do lado de fora do apartamento. Lavando a cidade do dia suburbano.

Levou a chama fraca ao tubo branco preso nos lábios ressecados, sentiu o calor contido e seguro na nicotina tragada no exato momento em que guardou o fogo, jogando o isqueiro prateado no sofá surrado. Passou a mão esquerda pelos cabelos negros, o polegar e indicador tirando o cigarro simples da boca enquanto a fumaça era liberada pelas narinas. Caminhou até a escrivaninha devagar empilhando as folhas soltas. Olhou a antiga maquina de escrever e prendeu o cigarro entre os dentes. As mãos delicadas ajeitando com carinho a próxima página a ser preenchida.

Bateu em uma tecla morta e sorriu com o barulho rústico que conseguiu. Mais um trovão.

Madison sempre à lembrava de que os tempos atuais pediam modernidade, e que ninguém mais utilizava aquele recurso para a escrita. Mas a mais velha sempre perguntava onde estaria a poesia de suas obras caso optasse por um computador.

Girou nos calcanhares descalços indo de encontro ao balcão que dividia a sala da cozinha. Se serviu de uma xícara do café quente e sorriu quando a brisa gélida correu pelo apartamento fechado. A presença densa lhe presenteando com o familiar arrepio na nuca e o perfume fresco inibindo todo o cheiro da cafeína recém passada.

- Você demorou. - Sorriu sem nem ao menos olhar para trás.

Bebericou do café na xícara de porcelana ouvindo os passos suaves no assoalho. Se virou com calma olhando a mulher de frente a escrivaninha bem organizada. Os cabelos ondulados e castanhos lhe cobrindo as costas. O vestido branco de cetim como de costume.

- Eu não queria nem estar aqui, Demetria.

A voz de veludo não foi mais do que um sussurro, porém penetrou os ouvidos de Demi. Tragou o cigarro com mais afinco se aproximando do ser reluzente que encarava a pequena ferramenta de seu trabalho. As mãos bronzeadas acariciando levemente as teclas da maquina antiga, as unhas bem cortadas ausente de qualquer cor.

- Por que veio então?

Demi cerrou os olhos em direção a mulher que lhe fitou com calma antes de responder. Os olhos cor de mel eram opacos e os lábios na sua habitual cor prata.

- É o meu trabalho. - O sussurro mais uma vez.

-x-

Primeiro foi um tapa estalado no rosto da mulher. E a garota viu. Encostou um pouco a porta conseguindo olhar a cena através da fresta.

Dallas havia saído com as amigas, lembrava disso. Lembrava que sua irmã era a líder de danças juvenis na igreja e que por esse motivo, a sua permanência dentro de casa era apenas para dormir. Diferente de Demetria.

Demi era a filha caçula de Diana, que era fiel ao grupo de oração. A pequena era levada pelas duas mulheres da casa para qualquer lugar que fosse, a guiavam e ensinavam o que deveria fazer ou não. Mas uma coisa que Demi não entendia era a função de seu pai. Não via o homem durante a semana, a não ser sentado diante à televisão. Para no sábado sempre presenciar a mesma cena.

As mãos do homem se fecharam no cabelo da mulher com violência e Demi sentiu o desespero percorrer o corpo quando a porta se fechou.

A garota se assustou com a porta trancada e o vento frio que bateu em seu corpo. Reparou um calafrio lhe percorrer a espinha e se virou sentindo o coraçãozinho pequeno pular frenético dentro do peito. A boquinha miúda soltando o ar com dificuldade enquanto observava a mulher sentada aos pés de sua cama. Os cabelos ondulados eram castanhos e a cor bronzeada de sua pele parecia refletir na luz do abajur.

Ones-Shot SemiWhere stories live. Discover now