Rocha

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Apoiou a testa nos joelhos da perna encolhida puxando o ar úmido pelas narinas. As ondas batiam com violência contra as rochas inabaláveis, o som revoltado a fazendo se acalmar lentamente. As nuvens carregadas se mesclavam com as brancas escondendo o azul claro do céu. Sentiu o vento frio bater contra sua pele desprotegida, uma respiração desesperada pela boca a fazendo sentir o gosto salgado. As gaivotas gritavam rumando para o sul ajudando o mar a avisar que a tempestade estava à caminho.

A figura desolada sentada na mais alta das rochas apertou os próprios braços desprotegidos com força. Não por frio, não por medo.

– Não..

Balbuciou com a garganta fechada pelas lágrimas que se negava a derramar. O vento úmido brincava com os cabelos claros, a camisa marrom batia levemente contra suas costas anunciando movimento. Ergueu a cabeça com o cenho franzido quando escutou conversas altas, olhou em direção a praia encontrando a origem do som. Um grupo de surfistas corria para o lado contrário ao mar. Seus olhos se voltaram para as águas turbulentas à sua frente, um único mergulho, um último suspiro...

Um raio majestoso cortou o céu cinza, o vento se tornando ainda mais violento. Estudou a distância que estava da beirada, cinco, seis passos? As ondas ainda batiam lá embaixo, vez ou outra os respingos das mais altas e mais fortes chegavam ao corpo pálido inerte em pensamentos sobre a rocha que a acolhia. Um clarão iluminou as nuvens antes do trovão soar soberano sobre a cidade quieta. Uma única gota grossa bateu na mão esquerda, a estudou calmamente antes de dar uma atenção especial para uma pequena marca branca e disforme no pulso. A cicatriz era antiga, mas a vontade de abri-la novamente pulsava em sua nuca. Fechou os olhos com força se negando a sucumbir aos sentimentos e atos erradiços, um dia ruim não valeria o tempo que esteve se cuidando.

– Não.

A negação veio mais forte. Rangeu os dentes sentindo as lágrimas molharem os olhos castanhos. Tudo o que queria era não sentir aquela pressão em seu peito, não ter aquele bombardeamento de emoções. Era difícil continuar firme, era difícil lutar contra o que sempre fazia em momentos como aqueles. Era como um vício, era uma válvula de escape.

Os passos baixos se aproximando fez com que todo o ar pesado a sua volta se dissipasse. O arrepio pelo corpo e o perfume fresco lhe invadindo as narinas anunciou a chegada do único fio de esperança que a mantinha sã. Suspirou aliviada, a pressão no peito se transformando em um palpitar forte e marcado. Estava a salvo.

– É bom saber os lugares onde você possa estar, mas da próxima vez não desligue o celular.

A voz rouca da recém chegada soou autoritária e preocupada. A dona dos cabelos dourados a olhou com pesar, não queria deixá-la daquela forma. Viu a figura de pé com os braços cruzados fitando o horizonte com os olhos chocolates semicerrados, a pele levemente bronzeada e o cabelo castanho ondulado batia na altura da cintura. O rosto pequeno e delicado se mostrava irritado, o cenho franzido confirmava isso.

– Eu nem estou com o celular. - Desviou os olhos para o oceano a sua frente. - Não gosto.

– Já cansamos de escutar esse discurso. - Trocou o peso do corpo para a outra perna. - Mas que droga, Demi. Não é como se você estivesse sozinha nessa. Estamos juntas.

– Pelas suas palavras parece que já sabe da novidade. - Forçou um riso seco pela garganta.

– Se você se refere ao seu pai eu..

– Patrick. - Demi cortou de imediato. - O nome dele é Patrick, não o nomeie como se fosse meu pai porque isso ele nunca foi.

As ondas batendo contra as pedras preencheu o silêncio entre as duas figuras.

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