Cabeça de flor

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Hoje eu acordei poesia crua.

O vocábulo extenso foi reduzido a simples por quês e talvez.
Minhas preposições dividiram minhas orações e o artigo tornou-se verbo.
Me perdi em meio a uma auto-análise morfológica.
Todas as minhas rimas eram sujas.

Métrica, erros, contagem e dissoluções.
Não me adequei a língua, não me adequei.
Minha poesia era crua. Erros ortográficos, duros e selvagens.

Mas pra quê rebuscar minha arte moderna?
Se as palavras não fluem, que eu me afogue.
Que eu mergulhe.
Que seja simples.
Seja flor.

Hoje eu acordei poesia crua.

Meus pés enraizaram, expandiram e grudaram na terra.
Coxas e tórax esverdearam. Fiquei ereta. Imóvel.
Meus cabelos de sol amoleceram. Curvilíneos que só, até ganharam tons de vermelho.

Acordei na terra, com caule e raiz. Até pétalas eu tinha.
Floresci. E de tanto querer, agora sou flor.

"Me regue", eu gritava. Sol, brilhe para mim.

Hoje eu acordei poesia crua.

Acordei para ver o mundo ao avesso.
Acordei e já dormi.
E em meus sonhos, eu era flor.
Eu era, poesia crua.

InexoravelmenteWhere stories live. Discover now