Por favor, minta

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Eu vejo a chuva deslizar as janelas em meio as lembranças, escorrendo em fileiras até ancorar-se ao batente. Experiências sensoriais sonham na cabeça, trazendo ao topo os elementos necessários para enlouquecer os sãos.

Então chega a visão, entorpecida pelos olhos negros que me bebem feito licor, analisando cada centímetro de meus quadris largos e estrias do corpo e alma.

O paladar vem após, marcado pelo sabor amargo do perfume em minha boca ao tocar a nuca nua.
O Olfato logo vem, trazendo o odor característico dos cigarros baratos que você fuma, impregnando o quarto a cada segundo em que seu corpo colide ao meu.

Teu tato é óbvio, mecânico e desejável. A palma espalma minha alma, e então me toma, viciando-me no ciclo de dar e receber. Te receber. É repetitivo, e é pra ser. O ciclo delicioso da lascívia dos teus dedos. Eu venero a forma como as mãos grudam a pele, elevando o corpo até a borda só para empurrar-me do precipício.

E eu escuto.

O gemido rouco largado ao pé do ouvido bem em par com as juras clichés.

Eu te amo, ele diz. É só você, ela diz. Não vivo sem ti, eles dizem.

Mas não há sabor mais gostoso que mentiras do ápice. Nenhum conjunto de frases soa mais doce que monólogos falsos sussurrados enquanto o corpo treme inteiro, soa e vibra. De amolecer as pernas e embaralhar os ossos.

Minta bem. Minta gostoso bem na minha cara.

O mais belo, diga.
O mais amado, grite.
O melhor, entoe.

Eu te amo, minta.

Minta até tornar-se verbo.
Até virar um clássico.

Minta até que eu acredite e sangre,
e morra entalado de tanta ilusão.

Por favor,
nunca pare(m) de mentir pra mim.

InexoravelmenteOnde histórias criam vida. Descubra agora