Evocativo

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Era tarde da noite quando o sono partiu em um beijo silencioso.

Foi então que resolvi abrir a janela alheia e observar a vida do próximo passar.
Não entenda mal, a questão não era somente observar,
era sentir.

Arder em emoções e tê-las florescendo na pele.

Gosto de ver a forma como a vida é posta a mesa,
como acordam pela manhã.
Me engasgo em gargalhadas com piadas trocadas e
sofro amargamente das tristezas acumuladas.

Da janela alheia pude ver que não há problema maior que o eu.

Unha encravada ou cirurgia no pé.
Luta com o pente ou o cair de todos os fios.
Dor do nascer ou luto ao morrer.
Sempre frente a um espelho de aumento,
ampliado em zoom cinematográfico.

Da janela alheia eu vi seus temores,
e confesso, tive medo também.

O que vi lá dentro era como raízes de árvores,
criando cicatrizes tão firmes no coração.
Marcas em coleção. Figuras de dor. Arte carmim.

Imaginei que com o tempo cicatrizaria,
mas como? Só te vejo coçar as feridas.

De tanto visitar, já não me era alheio,
tornou-se minha janela também.

Meu coração de anjo já compartilhava teus voos.
As doces lágrimas de sangue já vertiam do meu rosto.
O riso, o afago, o sexo. Já era eu. Meu.

Resolvi que era hora de te largar.
Afinal, de quê serve observar a janela se você é o vidro?

InexoravelmenteWhere stories live. Discover now