Prólogo

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8 de março de 1741
Paço da Ribeira, Lisboa Occidental
Reino de Portugal e dos Algarves


Há tempo que El-Rey andava de um lado para o outro em seu gabinete, no Paço da Ribeira, residência da família real portuguesa desde 1503, pensando nos Quilombos brasileiros. Por baixo daquela peruca pomposa, o cérebro do Rei-Sol de Portugal ia e vinha, pesando e sopesando possibilidades.

O sobressalto foi inevitável quando bateram à porta.

– Gusmão? – indagou D. João V – Sois vós?

– Sou eu sim, Majestade.

– Pois bem, meu caro Alexandre de Gusmão. Fostes à chancelaria e vistes se o chanceler-mor já registou o Alvará acerca dos calhambolas, como vos pedi?

– Sim, Majestade.

– Ora, Alexandre! Deixai essas formalidades para reuniões matinais com o Conselho Ultramarino e demais eventos em que temos de ir. Sois meu Secretário Particular há dez anos! Nomeei-te escrivão da Puridade faz um ano, creio eu. Se fiz de vós o mais próximo de mim, ao menos tratai de portar-vos como tal!

– E como devo vos chamar, Maj... É... El-Rey?

– Realmente não tendes jeito, né? – um sorriso surgiu no canto dos lábios do Rei – Chamai-me D. João, El-Rey, vós... Bem, não importa agora. O alvará...?

– Sim, El-Rey. Foi registado ontem, tão logo D. José Vaz de Carvalho o examinou.

– Bom, bom...

Sentou-se o Rei no cadeirão almofadado e ficou a observar pela janela. Alexandre, acostumado aos devaneios do Monarca, cada dia mais submerso em grandiosos planos para o pequeno Reino de Portugal, esperou pela ordem que deveria seguir.

– Alexandre?

– Sim, El-Rey?

– Lembrai-me de falar com o Cardeal Mota e Silva, sim?

– Claro, Magnânimo.

– Gostei desse! – exclamou o D. João V, rindo largamente – Bem melhor do que Rei Freirático, que me deram por conta de Madre Paula. Oh!, falando nisso, mandai preparar a carruagem para Odivelas. Mas não agora, calma. Antes, lede para mim o texto.

– Como desejais, Vossa Majestade – respondeu Alexandre de Gusmão, pigarreando antes de começar a leitura.

Eu El-Rey Faço saber aos que esse Alvará em forma de Ley virem, que sendome presentes os insultos que no Brazil cometem os Escravos fogidos, aque vulgarmente chamaõ Calhambollas passando a fazer o excesso de se juntarem em Quilombos; e sendo preciso acudir com remedios que evitem essa dezordem. Hey por bem que a todos os Negros que forem achados em Quilombos estando neles volumptariamente selhes ponha com fogo hua marca em hua espadua com a Letra F que para esse efeito haverá nas Camaras, e se quando se for a executar esta pena for achado já com amesma marca selhe cortará hua orelha, tudo por simples mandado de Juiz de fora, ou ordinario da terra, ou do Ouvidor da Commarca, sem processo algum, e só pella notoriedade do facto, logo que do Quilombo for trazido antes de entrar para a Cadea. Pello que mando ao V Rey, e Cappitaõ general de mar e terra do Estado do Brazil, Governadores, e Cappitaes generaes, Desembargadores da Rellação, Ouvidores, Juizes, e Justiças do dito Estado cumpraõ e guardem, e façaõ cumprir e guardar este meu Alvará em forma de Ley que valerá posto que seu efeito haja de durar mais de hum anno, sem embargo da Ordenação do L.º 2.º tt.º 40 em contrario, o qual será publicado nas Commarcas do Estado do Brazil, e se registará na Rellação, Secretarias dos Governos, ouvedorias, e Camaras do mesmo Estado, para que venha a noticia de todos. Dado em Lisboa occidental a tres de Março de mil sete centos e quarenta, e hum.

– É, Gusmão. Ficou bom. Muito bom. Estou certo de que servirá. – já menos preocupado, o bem apessoado D. João V abriu um sorriso – Bem, que esse povo vá à forra! Vinde comigo, Gusmão! Vamos ao mosteiro de Odivelas. Tenho uma noviça para apresentar a vós. Saindo agora, talvez cheguemos antes das Ave-Marias.

629 palavras

O Quilombo Maldito (Concluída)Où les histoires vivent. Découvrez maintenant