Capítulo 8

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Pouco antes do primeiro cantar do galo, 11 de agosto de 1794
Igreja Matriz, Villa Bella da Santíssima Trindade, capitania de Matto Grosso
Estado do Brazil


A missa de ação de graças seguia noite adentro. Uma vez que já era passado o primeiro cantar do galo, a maior parte da cidade dormia. Restava, na Igreja, apenas as beatas, o padre e os coroinhas, enquanto que a maioria dos homens mais influentes da cidade estavam sentados do lado de fora, jogando conversa fora.

No exato momento em que o coral erguia a voz para bradar o hino de louvor aos céus, enaltecendo a figura de Deus Pai graças à recuperação dos escravos perdidos – isso já pelo quarto ano consecutivo de vigília orante durante toda a noite – a ventania tornou-se forte. As portas e janelas da construção começaram a bater e de repente, se fecharam.

Os homens entreolharam-se, pressentindo que o momento tão ridicularizado e, talvez por isso, temido, ergueram-se e saíram em disparada. Contudo, diversas mãos geladas ergueram-se do solo e, segurando-lhes os tornozelos, os impedia de prosseguir. Muitos, em virtude da freada que foram obrigados a dar, caíram ao chão, enchendo de poeira e rasgos as roupas caríssimas que estavam trajando.

O céu escureceu. Com um medo sincero no olhar, assistiam eles às nuvens formarem um redemoinho negro no céu, deixando espaço apenas para a lua que, em instantes, começou a tornar-se vermelha como o sangue.

O solo atingido pela rubra iluminação lunar em meio à penumbra começou, então, a se abrir, ante os olhos atemorizados dos influentes e, agora, impotentes regedores da cidade, e uma mulher negra como o ébano, com a cabeça nas mãos, surgiu do ventre da terra.

O vento fustigava os homens de bem ali caídos, impondo-lhes um castigo físico que a maioria desconhecia. A figura da alteza sobrepôs-se, entretanto, à dor sentida: era impossível não olhar para ela, cuja presença magnética se punha acima de tudo.

– Vosmecês não aprendem, não é? Da última vez, ainda tive piedade de vosso povo, conforme pediu meu filho – a voz áspera da rainha aparentava um certo ar de divertimento – Agora, porém, não terei piedade!

E, após dar ordens aos seus servos para retirarem os inocentes de dentro da Igreja, voltou-se aos ricos e influentes e disse:

– Vosmecês adoram essa cidade, não? Querem que ela cresça, não é? Pois bem. Usaram essa Igreja para demonstrar triunfo sobre minha raça? Pois que ela caia como da última vez! – e, dizendo isso, novamente fez a Igreja voltar ao aspecto de ruínas, fazendo ruir o frontispício e as partes mais altas das colunas grossas que a sustentavam, destruindo parte da nave – Quanto a essa cidade, aproveitem! Deixarei ainda que aproveitem bem a decadência dela. Porém, quero que se recordem: assim como caiu a Igreja, cairá a cidade! Seus filhos e descendentes, porém, em sua maioria sairão daqui pois, em trinta anos, uma outra cidade, anterior a ela, tirará o posto de capital que vosmecês tanto gostam de ostentar, lançando essa cidade no mais profundo abismo. Talvez, assim, vosmecês percebam que o poder não é tudo e deem mais valor às relações entre as pessoas.

Um raio, então, atingiu afenda de onde a rainha não morta havia saído e ela voltou para o interior daterra junto com os seus servos. A lua voltou à sua cor perolada natural e oshomens se entreolharam, ainda sem compreender exatamente o que ocorrera. Aocantar do galo, porém, levantaram-se e foram para as suas casas, como se nadahouvesse acontecido.

585 palavras

O Quilombo Maldito (Concluída)Where stories live. Discover now