Capítulo 21 - Você se acha a sabe tu...

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Eu só havia estado em um velório duas vezes na vida: uma aos quatro anos de idade quando Esfera, meu cachorro, morreu; e dois anos depois, quando meu avô disse adeus pela última vez.

As lembranças eram distantes, mas pareciam dolorosas. Só que eu não me lembrava mais que um velório poderia ser tão triste.

O caixão banco e pequeno. Quem estava dentro não teve tempo de deixar história.

Ela chorava apertando o tecido da blusa na altura do peito. Talvez tentando alcançar o coração e arrancá-lo dali para não doer mais. As pessoas tentavam consolar. Mas o que dizer para uma mãe que acabou de perder a filha? Ainda mais logo após o parto. Não deu tempo nem de dar um nome.

Uma gravidez complicada onde na hora do parto alguém teve que decidir entre duas vidas: qual ficaria, qual partiria. Eu não queria ser a pessoa a decidir isso. Nunca. Pedir para um homem escolher entre a mulher e a filha, era desumano. Como ele poderia abrir mão dela? Como podia dizer adeus? E a criança? Ela precisava da mãe. Um pai machucado não serviria para muita coisa.

Mas e como eles viveriam com aquela terrível perda? Como a mãe viveria? Estaria ao lado dele sem realmente estar. O culparia pelo resto da vida.

Sabrina apertou o meu braço se encolhendo. Eu estava preocupado com ela. Sabia que toda aquela atmosfera lhe fazia mal. Não queria que ela tivesse ido. Disse que não a levaria. Mas ela era muito teimosa.

— Acho melhor ir agora — falei baixo.

Ela negou.

— Temos que ficar para apoiar Cláudia.

— Cláudia vai entender.

— O que eu vou entender? — ela parou na nossa frente.

— Sabrina tem que ir embora.

— Não. Fernando. Eu quero ficar — disse resignada. Quando ela levantava aquele nariz e dizia alguma coisa, era difícil fazer ela voltar atrás.

Olhei para Cláudia pedindo ajuda silenciosamente. Ela entendeu e assentiu.

— Fernando tá certo, Sabrina. É melhor você ir. — Ela não estava sugerindo, estava ordenando.

Não que Sabrina fosse de se intimidar com qualquer pessoa que fosse. Ela não era. Mas vacilou ao olhar firme da Cláudia.

— Mas eu quero...

— Eu sei. Obrigada por ter vindo. Minha irmã vai ficar bem.

Sabrina ficou em silêncio, olhou para a irmã de Cláudia e depois para ela de novo.

— Tudo bem — não estava tudo bem. Ela não gostava de ser contrariada. — Posso ao menos me despedir dela?

— Claro — Cláudia deu passagem.

Sabrina soltou o meu braço e foi até lá.

Ela abraçou a irmã de Cláudia, uma disse algo no ouvido da outra e quando Sabrina voltou seus olhos estavam vazios. Peguei a mão dela e a conduzi em silêncio para fora.

Leandro, que acabava de retornar ao velório, se ofereceu para nos levar. Neguei, pois a presença dele não era muito bem tolerada por Sabrina, mesmo que Cláudia o tenha perdoado.

Eles, como casal, não estavam mal, mas bem também não era a palavra certa. Na verdade, nunca entendi o relacionamento deles. Era um ciclo infinito de briga-chora-bebe-briga-volta. Acho que ele desenvolveu algum tipo de afeto por ela e não conseguia deixá-la em paz, mas também não assumia nada sério.

Eu não perdia meu tempo tentando entender o que se passava na mente dele, mas eu apostava que sua lógica era: "Eu não te amo, mas também não quero te ver com outro cara. É por isso que eu sumo quando você gruda e apareço quando acho que você me esqueceu". Essa é a lógica masculina cafajeste.

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