Capítulo 24 - Ninguém é de ferro, exceto o...

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Nada: 1. Coisa nula; 2. Sem valor; 3. Insignificante.

É como define dicionário da língua portuguesa; é o que define como eu estava me sentindo naquele momento: um nada.

Por meses eu assisti, sem nada fazer, Sabrina sendo humilhada por quem quer que fosse. Não era do meu feitio me envolver em brigas de escola, mas não era essa a questão. Sabrina: essa era a questão. Ela nunca se importou para aquelas coisas, ou ao menos fingia que não se importava. Vai saber. O fato é que ela era uma garota segura de si. Sabia o que queria e não se importava com o que os outros pensavam e falavam.

Depois que Catarina espalhou para os quatro cantos da escola que Sabrina estava grávida, ela virou alvo de bullying. As amigas dela se afastaram uma a uma. Ninguém a queria por perto, tratavam-na como se tivesse alguma doença contagiosa. E qual foi a postura de Sabrina diante dessas coisas? A de sempre, o nariz em pé e cara de que o mundo não a merece.

Cláudia era a única amiga que restava para Sabrina, mas ela andava ocupada demais com questões sobre a viagem de intercâmbio que faria no ano seguinte. Ninguém poderia julgá-la por isso, mas não posso negar que eu queria que Cláudia passasse mais tempo com Sabrina.

Acontece que havia aspectos sobre a gestação que Sabrina nitidamente não se sentia confortável para falar comigo. Coisas que não exatamente cabiam nas consultas médicas. E eu sabia que ela não conversava com a mãe acerca da gravidez, por ter vergonha.

No sétimo mês, a barriga de Sabrina ficou grande, como era de se esperar àquela altura, mas isso abalou sua autoestima. Um dia, ela estava tão fragilizada que desabafou:

— Eu estou gorda, imensa. Meus peitos não param de crescer e a minha pele tá descamando. Meu cabelo tá caindo. Até o final da gravidez, eu vou estar parecendo um mostro. E vou ser a mãe mais feia do mundo! Ela vai olhar para mim e chorar, achado que sou o próprio bicho papão!

Minha intenção ao dizer "nada disso tem importância" era tentar fazê-la ver que essas coisas eram banais diante da incrível grandiosidade de ela estar gerando uma nova vida, a vida do nosso filho. Mas soou insensível. Então ela caiu no choro ao responder:

— Não tem importância?! Porque não é o seu corpo que está sendo deformado. Quero ver se você ainda vai me querer quando eu estiver feia e acabada!

Eu a abracei e disse que nem se ela se esforçasse muito para tentar ficar feia, conseguiria. Expliquei como eu a achava linda grávida. Falei que eu ia, na verdade, sentir saudade da sua imagem assim, pois já estava acostumado a ter vontade de acariciar a barriga dela toda vez que a via. Mas ela não parou de chorar.

Havia coisas na gravidez que, por mais que eu me esforçasse para tentar entender, jamais compreenderia de fato.

Essa foi a única vez que ela demonstrou para mim insegurança quanto à sua autoimagem. Para o resto do mundo, ela jamais deixou de lado a postura de autoconfiança.

Na escola, quando eu perdia a paciência e queria confrontar alguém que a provocava com piadinhas infelizes, ela simplesmente me repreendia:

— Ah, Fernando. Fala sério! — e uma irritante revirada de olhos. — Por que você dá bola pra esses idiotas?

Eu ficava pior quando ela falava daquele jeito. Parecia que eu estava sendo imaturo aos olhos dela. Isso me irritava ainda mais.

— Não é uma questão de dar bola ou não — eu me esforçava para manter o tom de voz ameno. — Você acha que é fácil ficar parado vendo o que falam de você?

Ela revirou os olhos para mim novamente. Meu sangue ferveu. Dá pra parar com essa merda ou tá difícil? — pensei, mas não falei. Se eu falasse as coisas que passavam em minha mente nesses momentos, nós acabaríamos brigando, ou pior, terminando.

Como nascem as estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora