CAPÍTULO • 01 (Degustação)

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CAPÍTULO 01

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CAPÍTULO 01

IVAN

CINCO ANOS JÁ haviam se passado desde o acidente — tempo demais esperando que algum milagre divino se apiedasse da minha alma destroçada, ou que as lembranças daquele tempo fossem arrancadas do meu coração com a ponta afiada de uma lâmina. Assim eu teria paz e deixaria de transformar tudo ao meu redor em cinzas.

Acabar com a minha vida foi a primeira ideia que permeou meus pensamentos depois do fatídico dia. Junto com a vontade de não existir mais, contudo, vinham sempre as memórias vagas do sorriso dela, os olhos brilhantes como duas amêndoas, sempre grandes demais no rosto pequeno e delicado. Hoje em dia é difícil consolidar uma imagem perfeita, mas a sensação continua aqui. A vergonha de imaginar o que ela pensaria da minha fraqueza é a única coisa que me impediu de cometer uma loucura naquela época.

De qualquer forma, aquela filosofia barata sobre o universo conspirar a favor do ser humano nunca se provou tão inverídica. O universo nunca esquece aqueles que merecem o seu rancor. Depois do que aconteceu, afastei-me de tudo e todos, trabalhei dia e noite sem parar e me afundei nas noites badaladas de Nova Iorque, só para tentar esquecer. Como fui idiota! É impossível, no fundo sempre soube, mas gozava dos esforços vãos. Só se vive um amor como aquele uma vez na vida, e ele marca a gente como brasa na carne.

Agora, após tantos anos de isolamento, estou de volta.

Sair do Sheremetyevo não demora mais do que trinta minutos. Um tempo bom, considerando o fluxo de pessoas que usufruem diariamente dos serviços oferecidos pelo maior aeroporto de Moscou. Na área externa, encaro por um momento o céu da Rússia, inspiro o ar do meu país e quase sinto algum prazer por retornar às minhas origens. Quase. Se as circunstâncias fossem outras, se o mundo não fosse tão cruel, eu poderia ter sido feliz aqui, ao lado da mulher mais preciosa que já pisou sobre o planeta.

Caminho até um táxi qualquer. Não avisei ninguém que chegaria hoje, caso contrário viriam todos ao meu encontro. A última coisa que desejo agora é lidar com meus irmãos todos de uma só vez e escutar os lamentos da minha mãe sobre como sou um péssimo filho.

Indico o caminho para o motorista. É um pouco estranho voltar a conversar utilizando minha língua nativa. Na sucursal de Nova Iorque, lidava somente com investidores americanos, não havia sentido me comunicar em russo. Fora que, na maior parte do tempo, simplesmente ficava sozinho no escritório sem falar com ninguém.

Era ótimo.

Eventualmente, alguns dos arranha-céus das Sete Irmãs me acompanham com seus olhos de vidro e torres pontiagudas. O Kotelnicheskaya — talvez o meu preferido, um símbolo visual que reafirma o sangue a correr pelas minhas veias — se agiganta sobre nós, totalmente banhado com as cores quentes que espelham os padrões climáticos da época do ano em que estamos. No auge do verão, a quantidade de pessoas que se arriscam a expor um pouco de pele supera qualquer outra estação.

Entre Perdas e Ganhos | LIVRO 1 | DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now