O Primeiro Vingador

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 Narração – Steve Rogers

     "Steve". Meu nome ecoou pelos labirintos de minha mente, uma voz diferente das conhecidas; nem mesmo às vozes dos deuses de Asgard eram tão melodiosas e harmônicas quanto aquela. A mesma se seguiu mais uma vez, porém com um terror súbito, o desespero a tornando um agudo, me fazendo reparar o local onde me encontrava: caia a uma velocidade recorrente a mais de duzentos quilômetros por hora, em um céu limpo e azul em direção ao nada, sem vestígio do avião em que saltará.

     Apalpei o peito, na esperança de encontrar uma mochila com uma pequena corda para abrir o paraquedas, mas tudo o que encontrei foi apenas o tecido macio de minha camiseta, sentindo a pulsação acelerada de meu coração; sabia que não precisava de um, mas era bom o reconforto de ter. Um enorme espaço no meio do céu se abriu, revelando uma escuridão devastadora que puxava tudo ao redor para dentro, me fazendo assemelhar a um grande e misterioso buraco negro. Meu corpo adentrou com força, me fazendo sentir a semelhança que era ser jogado em alto mar. Senti a falta de ar prender meu peito e latejar como se algo ali houvesse sido rompido, coisa que mesmo possível de acontecer, agradecia ao soro que me tornou um super soldado reconstruir minhas células.

     E lá estava eu novamente, caindo do avião de Howard Stark na missão suicida de salvar meu melhor amigo. Me recordo de Peggy com o suposto compromisso que havia adquirido com nosso piloto enquanto me arriscava em uma das bases da Hydra. As nuvens se desfazem ao chocar-se com meu corpo, me levando de volta para os dias da Segunda Guerra Mundial. Sabia que ela não estava fazendo por mal, era um preço que se tinha a pagar por poder salvar vidas e principalmente uma, que era especial para minha pessoa.

     Acordei de supetão, sentindo minha cabeça rodar e a voz me chamando ainda estava presente em meus ouvidos. Olhei ao redor e ainda estava em meu velho apartamento no Brooklyn, o qual eu morava antes de entrar para o exército dos Estados Unidos; a brisa balançava as leves cortinas na janela e o ar fazia um som fino, um assovio ou até mesmo um canto, pouco ouvido pela audição humana. Meus sentidos ampliados me faziam observar coisas minúsculas, como os espaços entre o piso de madeira ou o descascado do papel de parede recém-colado. Meu reflexo na televisão estava cansado, o cabelo loiro bagunçado e o rosto totalmente amassado com marcas de um sono pesado, me fazendo perceber que havia apagado; olhei no relógio e já era final de tarde, a luz do sol poente fazia a poeira microscópica flutuar, causando um efeito Tyndall. Coloquei o café para fazer, refletindo sobre todas essas décadas congelado.

     Eu havia perdido pessoas na guerra ou elas haviam morrido de velhice e a questão de saber se um dia ela chegaria para minha pessoa me atormentava. Sempre quis o certo, servir ao meu país, mas o que eu era agora? Um homem de outro século, mal adaptado a toda essa tecnologia disponível. Àquela voz, eu havia a ouvido em algum lugar; soquei a mesa com raiva, esfregando o rosto. Não me recordava de um rosto, um perfume ou até mesmo um sorriso, me sentia enlouquecendo aos poucos, como se fosse fruto de uma imaginação fértil.

     O café estava forte, fazendo a energia adormecida correr por minhas veias lentamente, implorando para ser gasta. Eu passava a maior parte do tempo possível treinando, descontando em um saco de pancadas tudo o que estava acumulado, tentando evitar o máximo possível as pessoas desse século; sabia que não me enturmaria ou acreditava nisso. Não me sentia preparado para começar uma nova fase, sem meu melhor amigo de sempre, Bucky, a céus, sua morte havia sido a minha culpa! Eu sabia que ele não estava pronto para voltar em ação, mas mesmo assim o deixei me acompanhar na destruição das bases da Hydra. Meu melhor amigo e irmão, perdido em guerra, como eu sentia sua falta; caminhei até uma prateleira da sala onde encontrei um porta-retratos de nós dois, tirado alguns dias antes da Expo Stark, antes de embarcarmos para um caminho sem volta.

     Todo canto do meu apartamento estava igual, apenas com um pouco mais de poeira. A vitrola estava desligada, um pouco de música não faria mal a ninguém; a música da década de 40 soava e permitia-me relaxar, como se pudesse voltar ao tempo a qualquer momento. Abri mais a janela da sala e coloquei metade do meu corpo para fora, observando as pessoas: carros passavam, jovens sentados nas escadas de suas casas conversando, uma ou outra criança brincando na rua, muito mais latas de lixo espalhadas por ai. A árvore que antes me dava à vista de sua copa não estava mais lá, o sol batia de frente para o espaço vazio agora; ao longe ouvi tiros e sirenes, respirei fundo e senti o cheiro forte de cigarro e bebida, me fazendo voltar para dentro.

     O disco chiava na vitrola dando como riscado. Levantei a agulha e liguei o rádio e por qual estação eu mudasse, havia as mesmas coisas: acidentes, roubos, assassinatos, prisões e musicas estranhas deste século. Por mais que quisesse dispersar minhas lembranças, elas teimavam em não sair, me mostrando flashbacks a cada pouco. Me peguei afundando meus dedos na poltrona, rasgando o local sob pressão.

     Mais tarde, naquela mesma noite, enquanto socava com muita boa vontade um dos sacos de pancadas que me restava (onde não havia sido espancados até se rasgarem e despejar toda a areia hospedada em seu interior), eu pensava novamente naquela voz. Quando se está congelado, você não percebe que está em um estado vegetativo, você simplesmente vive e revive tudo o que seu cérebro quer compartilhar com seu coração; revivi todas as minhas lembranças, sonhos e desejos antes do soro. Acredito também que sonhei e reconheci aquela voz de uma mulher dos meus sonhos, a qual nunca havia visto antes. Ela me chamava e eu a procurava, procurava entre os vestígios da minha existência, mas ela nunca estava de fato ali; sentia o calor de seu corpo contra o meu, mas a sentia deslizar por entre minhas mãos, sempre a perdendo.

     Quando a perdia, encontrava o olhar doce de Peggy e me perdia pensando na família que poderíamos ter formado, na vida que podia ou não ter ao seu lado, vendo seus cabelos castanhos adquirirem uma cor acinzentada e ela não aguentando mais as pernas que doíam. Imagino como seria contar nossa história de amor aos filhos, netos e até mesmo bisnetos. Não sabia se ela ainda estava viva ou se a vida já tinha jazido de seu corpo, eu tinha vontade de a procurar depois de todos esses anos. Escuto a porta da academia se abrir e continuo ali, socando e socando, o que eu fazia de melhor.

- Absorto em pensamentos, soldado? - Senti meus músculos enrijecerem, caso fosse algum inimigo; a guerra nos fazia duvidar dos instintos até mesmo dormindo, sempre ficando em alerta. Porém o reflexo de Fury nos espelhos da academia me faz relaxar, ficando em guarda o encarando.

- Senhor – O cumprimentei de boa vontade, limpando minha testa com o antebraço.

- Vejo que está tentando se adaptar a nova vida – Ele começa a observar o local, tentando memorizar cada detalhe.

- Não veio aqui para comentar sobre minha adaptação neste século, senhor – Arqueei uma das minhas sobrancelhas, observando ele franzir o cenho. Ele já havia vindo me questionar sobre o Tesseract, o que me deixou um tanto quanto incomodado; ele não iria me deixar em paz tão cedo.

- Certo – Ele deu uma breve pausa - Vim tratar sobre o projeto Vingadores...

     Não sabia se aquilo iria à diante, porém segurei a pasta com o símbolo da S.H.I.E.L.D. em mãos, tirando a fita que a prendia, revelando fotos minhas e de outras pessoas, com informações privadas e histórias de nossas vidas. Eu demoraria algum tempo para ler tudo aquilo, mas pensar que algo tão pequeno poderia me tirar da monotonia já bastava.

 - Então...? – Ele me olhou com expectativa, me fazendo sair dos meus devaneios.

 - Estou dentro – Falei em alto e bom som, o fazendo apenas entortar os lábios para a esquerda.

Continua...


Capitão América: O MultiversoWhere stories live. Discover now