CAPÍTULO 6-AUTOAVALIAÇÃO

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_Preciso de umas lambidas, Beth.

Abaixou-se ao nível da cadela que viera recebê-lo logo na porta e ficou feliz por descobrir que a nova ração realmente diminuíra um pouco o mau hálito dela.

_Menina fiel...sua cabeluda!

A cadela se deitara de barriga pra cima e Pedro só parou de afagá-la quando ela se deu por satisfeita.

Ainda se lembrava da vez que Casimiro ligara pra ele, ainda no emprego, aos berros:

_Segura a onda da sua velha, belo, porque ela está querendo me ensinar como tosar os pelos da sua filha. Até quando ela vai achar que você adotou uma cadela de pelos curtos???

Com Jonas era diferente, pois ela parara de mexer nas gavetas dele quando ele se vingou e começou a colocar as calcinhas dela em locais embaraçosos da casa, como dentro da geladeira, assustando uma das colegas de escola que fora tirar uma garrafa de água.

_Deixe as minhas coisas onde eu coloquei que eu deixo as suas também, mãe!_finalizara ele com a sua voz de macho hétero.

Pedro não tivera a mesma energia pra brigar com ela e seguia empurrando com a barriga. Seria mais um traço dos homossexuais: não conseguir pegar pesado com as mães?

Tinha que levar a peluda para o banho semanal, ou Casimiro o mataria.

Colocou a cadela na guia e desceu as escadas, após trancar a porta.

Na rua, como o movimento estivesse tranquilo, foi remoendo as conclusões da tia junto às próprias percepções acerca de sua  vida.

Mas ele estava  entediado, deprimido por quê?

Tinha um emprego que pagava razoavelmente bem, só dormia sozinho quando queria...a mãe, apesar de não dar trégua, conseguia manter a sua casa habitável e as suas plantas vivas...Casimiro cuidava da sua cadela melhor do que dele mesmo...tudo no seu devido lugar...

Mentira! Podia mentir para os outros, mas para si mesmo já era foda! O cúmulo da covardia!

O salário era uma bosta e ele sabia que merecia um aumento. Não havia graça em conseguir um carinha pra passar a noite, quando Otávio estava ocupado e não podiam se encontrar...aliás, quando Otávio iria entender que eles só ficavam de vez em quando e não tinham um compromisso sério? Por que o outro, bem mais novo,  o estudante rico de medicina, insistia em dizer que eram namorados?

Sua mãe estava invadindo demais a sua privacidade e agora, que o pai precisava de um especialista diferente a cada mudança no pós AVC, ela parecia brotar do nada dentro de sua casa em intervalos cada vez menores. Difícil era encontrar as suas coisas, depois que ela ia embora. E o seu melhor amigo...talvez não fosse mais o seu melhor amigo, porque parecia uma cópia da sua mãe, sempre criticando os seus relacionamentos e dando palpites sobre o seu corpo.

"Ei! Meu nome é Pedro, tenho 32 anos...Tenho um cérebro, além de uma bela bunda, panturrilhas perfeitas, belos olhos castanhos, pés maravilhosos..." fora assim que Casimiro  descrevera o melhor amigo num site de relacionamentos, certa vez.

Até hoje ainda ligavam pra ele querendo marcar um encontro...e olha que aquilo já tinha quase dois anos.

Lembrou-se tarde demais que esquecera de deixar as chaves com o porteiro novamente. Seria a segunda vez que ele reclamaria que não pudera arrumar a torneira, porque Pedro se esquecera de deixar as chaves.

Realmente, estava cada vez mais relapso em seus compromissos.

Alguém tinha Alzheimer aos 32 anos?

VOCÊ VEM?-Armando Scoth Lee (Revisado em 2020)Where stories live. Discover now