2. Segundas-feiras.

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De alguma forma havia acordado em minha cama, talvez eu pudesse ter andado até meu quarto ou mamãe incrivelmente me arrastou para lá, as manhãs de segunda-feira eram sempre as mesmas, principalmente quando no dia anterior fora meu aniversário, todas as manhãs meu cabelo parecia um ninho de marimbondos em chamas, meu estômago parecia brigar com tudo e todos, a fome reinava áquela hora e ninguém iria gostar de negar comida á uma Scarlett. Minha expressão amassada e confusa refletia no espelho do banheiro, enquanto a água caía para dentro da banheira fazendo o vapor subir e embaçar os vidros e espelhos do ambiente, preguiçosamente retirava minhas roupas, a calça do pijama flanelado deslizava por minhas pernas até o chão e enfim podia caminhar até a banheira, senti a água quente tocar minhas pernas, minhas coxas e minha barriga, até chegar ao peito e toda aquela coisa fumegante me envolveu e me fez desejar nunca ter que sair dali. Os minutos pareciam horas e meus dedos estavam enrugados quando saí da banheira, a roupa me esperava em cima da cama e a vesti rapidamente antes de sair com pressa, passei pela cozinha e vi que a sala estava vazia, provavelmente saíram antes de mamãe acordar. 

Peguei uma caixa de cereais e alcancei seu SUV estacionado na entrada de nossa casa, sorri ao entrar no carro e depositei um breve beijo em sua testa. Podia parecer que eu cuidava dela, mas era totalmente ao contrário. Mamãe sempre fora minha guardiã.

— Estamos muito atrasadas? — Ela me olhou com certa calma e assentiu, ligou o carro e começou a dirigir para fora do nosso quarteirão. — Obrigada pelo bolo, estava ótimo.

No fundo, eu me sentia triste por ela que sempre tentou me ajudar e lutava para não demonstrar a falta que papai fazia na vida dela. Meredith era o seu nome, sempre o achei bonito e delicado, nossos cabelos combinavam de uma forma única, puxados para o abóbora avermelhado, éramos facilmente confundidas como irmãs e isso era ótimo.

Já chegávamos perto da W.W. Classical High School, o trajeto havia sido silencioso e então finalmente saí do carro, o sol da manhã iluminava parcialmente as árvores e trazia uma cor única para suas copas, o verde se tornava claro e escuro ao mesmo tempo, como isso era possível? Seria mais uma pergunta sem resposta e então teria que me contentar apenas com a beleza do mundo. Vi mamãe se distanciar cada vez mais até que estivesse no final do quarteirão, estava livre para encontrar Juliet e Ronnie e as gêmeas, a grama viva e verde me conduzia até os corredores do colégio e de lá, fui direto para o armário. Biologia e literatura eram minhas matérias favoritas, porém os dois primeiros tempos seriam de trigonometria e francês, nada contra o francês mas a professora era uma senhora cheia de amargura, ignorante até. Nada como um "bom dia" para deixá-la um pouco mais doce, mas a mudança quase não fazia diferença. Ronnie estava na minha aula de trigonometria e literatura, então nos víamos mais do que qualquer um do grupo, Juliet tinha apenas história comigo e as gêmeas faziam biologia juntas, foi assim que conheci todos os quatro.

Ronnie me esperava na porta da sala, com um sorriso preguiçoso e gentil, seu cabelo estava bagunçado como sempre estivera mas algo estava diferente, seu olhar brilhava e eu não sabia o porquê. Sorri de volta, com a curiosidade estourando minha mente e então entrei e me sentei no lugar de sempre e ele me seguiu, sentando ao meu lado.

— Descobri uma coisa. - Ronnie me olhou, esperando alguma reação minha e então retribuí seu olhar, esperando que ele dissesse logo. — Você nunca foi a um jogo meu, e adivinha? Hoje a noite teremos Bulldogs contra Lions.

— Ron, você sabe que eu detesto esses jogos. Eu sei que é o seu sonho mas por favor, não me obrigue.

Seus olhos perderam o brilho e quase pude ouvir seu coração se partindo, em questão de segundos parecia que tudo voltara ao normal, mas ele não contava com o fato de eu o ter percebido.

— Você pode não gostar, mas nunca experimentou ir ao meu jogo. Acha que eu te decepcionaria? — Ergueu a sobrancelha, me fazendo soltar uma risada baixa e então fomos interrompidos pela professora de trigonometria, perguntando o que tinha de tão interessante na nossa conversa que não podíamos prestar atenção na aula. Ronnie se apressou a responder: —Desculpe, estava falando do jogo de hoje a noite e considere isso como um convite.

Sua voz havia mudado, era algo melódico e encantador, Ron sempre a usava para distrair os professores. Sempre funcionava. Cretino.

O sinal tocou e então todos saíram, deixando apenas nós dois ali, no silêncio mortal pós-aula, para alguns poderia ser constrangedor mas eramos melhores amigos, nada mais nos constrangia (ainda) . Olhamos um para o outro e soltamos uma risada em sincronia, no fundo eu esperava que ele não estivesse chateado comigo, então decidi fazer o maior sacrifício da semana, pelo menos eu esperava.

— Eu vou ao jogo, mas precisa me prometer que eu não vou me entediar.

— Eu amo você. — Como um raio, Ronnie alcançou minha bochecha antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, então levou uma das mãos até minha bochecha e a apertou levemente, deixando um mistério no ar, ele partiu pela porta como um furacão de felicidade deixando apenas uma provocação: — Além disso, era o mínimo que podia fazer por eu ter te colocado na cama.

A garota Escarlate.Where stories live. Discover now