A garota Escarlate.

4. O Jogo.

Cheguei em casa a tempo de ver mamãe preparando o jantar, o fato de eu ter que ir ao jogo me pesava o coração. Todos os dias após as aulas eu voltava para ficar com ela, sentia algo em mamãe que há muito tempo sentia em mim: solidão. Apesar de não parecer e de seu esforço para mascarar a saudade que papai fazia, eu a entendia mais do que ninguém pois eu lutava todos os dias contra esses pensamentos.

Enfim faria algo após as aulas, enfim, sairia de casa para me distrair. Liguei para Juliet assim que cheguei em meu quarto, as paredes verdes escuras diziam muito sobre mim: eu amava a natureza e talvez por isso - ou obviamente por isso - que eu tinhas muitas e muitas plantas em meu quarto. Eu era fascinada em como o branco e o verde se encaixavam e formavam uma combinação única, quando pequena, observava as copas das árvores escurecerem ao chover. Era aquele verde que eu amava, era aquele verde que meu pai sempre usava em meu aniversário. E agora, olhando para aquela parede, tudo parecia ter mais significado.

— Alô..? — Sua voz estava embargada de sono ou algo parecido quando atendeu e soltei uma risada abafada pelo travesseiro meu meu rosto, parecia errado falar com Juliet sobre o dia mas era a única pessoa que não estava estranha comigo.

— Ju, você está bem? — Disse enquanto me levantava da cama que havia deitado, maldito Ronnie. Eu estava extremamente cansada e não aguentaria nem um segundo de jogo. As roupas pareciam velhas demais e talvez de uma Scarlett totalmente diferente, parecia tão complicado. —Aconteceu algo muito estranho hoje, você falta e parece que tudo vira de cabeça para baixo.

— Lizzie me contou que você surtou no refeitório. — Ela respondeu com diversão na voz, provavelmente estava imaginando a cena exagerada que Lizzie provavelmente inventou, a garota adorava adicionar fatos falsos para deixar suas histórias interessantes.

— Apenas fiquei chateada por demitirem a Sra. Brookes e me irritei com Ron. Ele praticamente me desafiou a ir ao jogo dele hoje á noite.

—Nem sei o porquê. — Ela soltou uma risada e tossiu em seguida. Juliet com certeza estava fumando e eu iria fingir que não sabia de nada. Dixie havia tido uma reação parecida mais cedo e parecia que não era a única a nos ver de outro jeito. — Gostou de acordar na cama, ruivinha?

— Me poupe, Juliet. Vou contar logo o que houve e você pode fumar á vontade. — Normalmente eu era calma mas as coisas não estavam fáceis, meus pensamentos estavam confusos e meus sentimentos indefinidos. — Na aula de história, um garoto chamado James deu em cima de mim. Confesso que ele realmente era lindo e misterioso mas era um idiota, saí da aula super irritada.

O silêncio predominou o ambiente, havia escolhido uma calça e blusa preta, básico e totalmente meu estilo. Não gostava de exagerar, antes, usava várias cores e tipos de roupa mas essa não era mais a Scarlett.

— Você nunca dá chance, Scar, por isso nunca fica com ninguém.

— Eu simplesmente dou valor ao amor de verdade, como o de meus pais, ficar soa tão vazio. — Ponderei sobre aquilo por alguns segundos e então sibilei. — Juliet, preciso ir, está quase na hora e eu ainda nem me vesti.

Praticamente voei para o banho, era uma ducha rápida e então me vesti e peguei a bolsa que mamãe me dera no meu décimo quinto aniversário. Era cinza e grande, parecia caber o mundo e realmente era quase verdade. Desci a tempo de jantar com ela, seu mac n' cheese nunca pareceu tão divino como hoje. Mamãe ainda cozinhava bem apesar de passar o tempo todo no hospital, seu trabalho exigia muito de sua concentração e me admirava como ela ainda tinha disposição para fazer nosso jantar todas as noites. Contei para ela onde iria e quando soube que Ronnie havia me convidado, me deu um sorriso aliviado, como se com ele minha honra e sanidade estivesse protegida. Bobinha, Ron não sabia cuidar nem de si mesmo, quem diria cuidar de mim.

O barulho ensurdecedor da torcida me deixava com dor de cabeça logo no primeiro minuto em que entrei no campo, o cheiro de pipoca e cachorro quente inundavam o ambiente das bancadas e é claro, Ronnie estava aguardando o momento em que o apresentador chamaria seu time e nesse meio tempo nossos olhares se cruzaram e pude ver um lampejo de felicidade mesclado com sua concentração, seu sorriso era lindo e pude presenciar por poucos minutos antes de sentir uma mão em meu ombro.

Me virei a tempo de ver o rapaz misterioso e galinha da aula de história, seus olhos cor de âmbar me prenderam em uma hipnose silenciosa, Deus, como eu lutava para não mudar de ideia sobre ele. Fechei a cara logo em seguida, passando por James de forma ignorante e então me sentei três fileiras antes da que ele sentou, evitando qualquer contato. Não sabia se Juliet viria e se viesse, eu precisaria ter paciência com sua calma.

— Está fugindo de mim? — James apareceu ao meu lado, onde infelizmente não havia ninguém. Contei até dez em busca de me acalmar e olhei para ele, fugindo de seus olhos e boca.

— Sinceramente? Estou. Não quero ser vista com alguém idiota como você, além do mais, estou com um amigo e ele vai sentar aí.

Menti descaradamente. Bom, em parte, pois eu estava com um amigo. Enfim o jogo começou e tudo pareceu muito rápido e confuso, Ron entrava correndo pelo gramado, seus olhos percorriam a arquibancada de forma rápida e por sorte me achou no meio de tantas outras pessoas. Acenei e então lembrei de James, que aguardava pacientemente ao meu lado. Bufei e me virei para ele.

— O que você quer?

— Sair com você, senhorita.

Seu sotaque saía mais forte quando pronunciava "senhorita", Lizzie e Dixie infelizmente estavam viajando, Juliet com certeza não viria e Ronnie estava jogando. Aliás, eu não entendia nenhum de seus movimentos mas o mesmo comemorava, dando a entender que estava indo bem. Algo peculiar de nosso colégio era que tínhamos um telão junto ao placar, onde apareciam os casais que a câmera pegava. Futebol americano era levado a sério até mesmo nas escolas e tínhamos um canal que transmitia o jogo na cidade, portanto, o telão era motivo de piada no dia seguinte ao jogo. Talvez por azar do destino, a câmera nos focou e todos gritaram e nos olharam, corei instantaneamente e assim pude ver James se aproximando, ele realmente achava que eu o beijaria?

— Eu saio apenas se me deixar em paz. — Disse ao empurrá-lo, fazendo a arquibancada toda rir, ele estava levando um fora na frente da cidade toda e mais um pouco. Se não desistisse, eu daria um prêmio por persistência. — Sem beijos.

Me levantei e fui me sentar mais para cima, minha bochecha ainda queimava quando Ronnie marcou um Touchdown e correu pelo gramado, ele estava todo suado e era perceptível seu cansaço, se eu estivesse em seu lugar, estaria morta. Enfim o jogo estava acabando e os Bulldogs estavam ganhando, tinha que admitir que não era tão chato assim e seria difícil fazê-lo na frente de Ron.