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            Fiquei um tempão pensando, antes de responder. Tinha me apaixonado pelo Gelcimar, tinha sim. Parecia tão bom, dizia que gostava de mim, era tão bacana ter um namorado mais velho, um rapaz feito, como dizia a mãe. Mas naquele dia, no sofá... Ficava tudo tão confuso quando lembrava disso... Mas, de uma coisa eu tinha certeza:
        
- Ele não me forçou, não, vó. Ele só me enganou. Eu não sabia das coisas. Foi só depois que a dona Márcia me contou tudo...
        
- Quem é dona Márcia?
        
-  A coordenadora lá da minha escola. Mas, quando ela me contou, já tinha acontecido. A mãe nunca me falou disso antes. Se eu soubesse, podia escolher,
né, vó?

             Os olhos da vó ficaram cheios de lágrimas, igualzinhos aos da dona Márcia:
        
- Acho que sim, Taís. Sabe, a minha mãe também nunca me falou nada, nem eu falei com a sua mãe sobre esse assunto. E ela repetiu o erro com você. Por que será que a gente tem tanta vergonha de falar de coisas tão... tão...
        
- Simples, vó? É isso que a senhora quer dizer? O amor é bonito, não é, vó? Ele não pode ser uma coisa suja, pode?
        
- O amor é bonito, sim, Taís, muito bonito - a vó suspirou fundo. - E não pode ser sujo, não. A gente é que complica tudo, esconde as coisas, faz de conta...
        
- Mas a vida da gente não é faz de conta, né, vó? A vida da gente é todo dia. A gente precisa saber a verdade sobre o nosso corpo, o que pode acontecer com ele, não é?
        
- Isso mesmo, Taís, você está certa - A vó me olhou bem de frente. - Nossa, minha neta, você sabe das coisas mais que eu!

                          * * *

            A vó ainda ficou um mês com a gente, mas precisou voltar para o interior porque o vô tava doente. Fez uma porção de roupinha de bebê: sapatinhos e casaquinhos lindos de crochê, de todas as cores. E um xale amarelo pra dar sorte.
            Quando a vó foi embora, me deu uma saudade! A gente tinha tido conversas tão legais... Parecia até que éramos duas meninas... Da mesma idade!
            Quando eu contei isso pra dona Márcia, ela comentou:
        
- Lembra, Taís, o que eu disse outro dia? Que as mulheres não podiam escolher, no passado? Que não sabiam de nada?
        
- Só no passado, dona Márcia? Eu vivo agora e também não sabia de nada, e sou mulher, não sou?
        
- Claro que é mulher! - a dona Márcia riu. - Tenha a idade que for, menstruou já é mulher. É a lei da natureza...
        
- Gostaria de ler uns livros...
        
- Sobre a gravidez, o parto? - adivinhou a dona Márcia.
        
- Isso mesmo. Queria ler uns livros com gravuras bem bonitas, onde aprendesse mais ainda. É tão bonita essa história de gente, não?
        
- A mais bonita de todas, Taís. Dá pra você ir na biblioteca ou quer que traga aqui?
        
- Ah, será que a senhora trazia pra mim? Tá tão difícil andar com essa barriga, e não queria ver ninguém lá na escola...
        
- Vou fazer melhor - disse ela. - Tenho uns livros ótimos lá em casa. Você sabe, meu marido é professor de Biologia. Eu trago pra você, Taís, mas com uma condição...
        
- Qual é?

            A professora olhou bem nos meus olhos:
        
- De você deixar de uma vez essa bobagem de viver escondida. Se você mesma disse que é uma história bonita, por que vai fugir das pessoas? Você vai ter um filho, só isso. Antes do tempo, é verdade, mas é uma coisa natural, não é nenhuma vergonha...
       
- Mas as outras pessoas não pensam assim... A Cejana, a Miracê e a Deolinda fogem de mim, como se eu tivesse uma doença contagiosa. As vizinhas me olham das janelas... Elas me fazem sentir suja.

O portão do paraíso- Giselda LaportaOù les histoires vivent. Découvrez maintenant