Incubação

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A superfície era dura e fria, a visão estava borrada e haviam ecos que propagavam em sua cabeça. Não existiam cheiros, apenas o metal gelado em suas costas e as vozes. Silhuetas se moviam em um fundo branco. Se sentia incompleto, parecia que faltavam partes do seu corpo. Onde estava? De quem eram as vozes, os sussurros que existiam em sua cabeça e aqueles que vinham de fora.

— A 333ª procriadora foi recuperada, e conseguimos algumas cobaias para testes. A maioria sofreu overdose, alguns estão com falência em determinados órgãos. Em suma, a morte é certa, podemos usar seus corpos sem problemas.

— Algum com potencial?

— Aparentemente a maioria deles.

— Envie-os ao útero.

O ambiente se moveu, vozes eram zumbidos e as luzes ficavam mais fortes. Nuvens coloridas, e agora havia cheiros, iodo, álcool, ácido. O gosto de ferro na boca. O fundo vermelho. Sangue. Um local quente e úmido, algo viscoso escorrendo por sua coluna.

— Cobaia C-10. Experimento falho. Baixa produção de en-soma. Os bunts funcionam e se conectaram ao corpo, as nanomáquinas fizeram o seu trabalho, mas está muito abaixo do normal, até de um rank-E, é como se não tivesse ocorrido mudança alguma.

— Descarte.

Escuro. Então um pouco de luz, os olhos se habituaram a escuridão. Um baque e seu corpo em meio a vários outros. Lamentos por todos os lados. Silhuetas amorfas que adquiriam formas. A voz de uma criança, de um adulto, de idoso. O chão de carne, nojento e vermelho.

— Isso dói, isso dói muito, onde estão as minhas pernas? — Parte da face da crianças não existia, nem suas pernas, tentáculos emergiram de suas costas a levando em direção a ele.

— Eu quero ir para casa, estão me esperando em casa, mas não quero ver aquela louca, eu só quero beber cerveja e ficar imerso na rede, sim eu só quero isso — o corpo magro de homem surgiu em sua vista, cabeças brotando da cabeça dele como um tumor que se espalha sem controle, cada uma das cabeças emergindo mais cabeças, todas gritando em agonia, todas querendo ir para casa.

— Eu tenho fome — a boca do velho se dentes tinha sua língua azul toda pra fora, arrastando pelo chão, um rastro pegajosos e brilhante sendo deixado para trás do corpo similar ao de uma lesma, seus olhos saltando para fora do rosto.

Olhos se voltaram para ele, faces abomináveis em meio ao escuro. Brilho em pupilas dilatadas, mandíbulas se expandindo.

— Ele parece delicioso. Sim! Tem um ótimo cheiro.

— Senhor, eu tenho fome.

Não se aproximem!

Conseguiu se mover, tentando se afastar em meio aos corpos abaixo dele. Urgência em fugir daquelas coisas que se aproximavam. O cheiro pútrido de órgãos expostos fez coceira no nariz, baratas saindo do meio deles, vermes rastejando para fora a em cada passo que ele dava.

— Se afastem! — sua voz era um choro que foi ignorado.

— Mas nós temos fome.

Um mordida em seu braço, outra em sua perna.

— Não! — sua voz era mais alta, a agonia de perder os membros lhe deixou em choque, seu estômago era um buraco, o sentimento de estar incompleto era grande, precisa preencher o espaço vazio. — Quem tem fome sou eu!

Mordeu a face de alguém na sua frente, mas não era isso que almejava, era algo dentro, algo que despertou uma necessidade insana de obter o que aquelas pessoas abomináveis possuíam dentro delas.

Serpente do Vazio - Irregular (Completo)Where stories live. Discover now