Nada fora do ordinário

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Sua mãe o havia chamado fazia alguns minutos quando Arturo finalmente abriu os olhos sentindo o cheiro do café vindo lá de baixo.

Podia ouvir o jornal da manhã na televisão enquanto no fogão o pão francês de ontem amolecia na chapa da frigideira. A luz do sol invadia o quarto vinda pelo corredor, mas sua janela e cortina estavam fechadas. Arturo se levantou e abriu a janela empurrando o tecido da cortina para o lado, olhando o dia lá fora. Faria calor, pois no céu não havia uma única nuvem, tudo que via era o cinza no horizonte repleto de prédios. Mais um dia na terra da garoa. Pensou pegando suas roupas do chão ao pé da cama. Curiosamente estavam enfrentando uma crise hídrica por falta de chuva.

— Arturo, já se levantou? — Fina, como Serafina era chamada pela vizinhança, gritou lá de baixo.

Arturo soltou um "a-hã" enquanto esfregava os olhos. Com as roupas na mão perambulou pelo corredor do segundo andar até o banheiro onde encarou o reflexo no espelho enquanto colocava a pasta na escova de dentes.

Com uma mão escovando os dentes, a outra arrumou o cabelo. Era um garoto de dezesseis anos, não muito diferente da média. O rosto tinha algumas espinhas e o peito começava a criar cabelos, os braços eram finos e as canelas também, o que fazia Arturo duvidar de si mesmo na metade do tempo, na outra metade estava tentando beijar alguém (isso é: beijar Alicia).

Colocou sua calça jeans escura e a camisa branca do colégio, calçou um par de tênis iate preto e correu escada abaixo para a cozinha. Sua mochila estava em uma das cadeiras. Guto, seu pai, estava sentado no balcão vendo a televisão na sala enquanto sua mãe, do outro lado do balcão, terminava de tirar os pães da frigideira e colocá-los em um prato, salpicando orégano por cima.

— Bom dia bonitona. — Arturo disse passando pela mãe e dando um beijo em sua bochecha. Contornou-a de um lado ao outro e quando terminou a manobra, tinha uma fatia de pão amanteigado quente na mão. Mordeu um pedaço indo pegar uma garrafa de iogurte na geladeira. — Bom dia pai.

— Não vai tomar café? — Fina perguntou quando ele pegou a mochila e viu se tudo estava no lugar.

— Tô atrasado. — Arturo respondeu enquanto tirava o fone de ouvido da mochila e ia indo em direção à porta. — Tchau pai, mãe. Amo vocês!

— Quer uma carona? Estou saindo daqui a pouco. — Guto ofereceu sem tirar os olhos do jornal da manchete de novos heróis surgindo no país. Arturo tinha um poster deles no seu quarto.

Seu pai trabalhava em uma fábrica, na linha de produção, seu horário não era muito fiscalizado porque o ponto era anotado com caneta e o supervisor estava de férias, então eles estavam trabalhando com mais liberdade de chegar atrasado e saírem mais cedo. Caso contrário Guto já teria saído bem antes. Mesmo assim, para Arturo a carona era ruim.

Se esperasse pelo pai chegaria cedo demais na escola e teria que aturar os alunos mais velhos, e repetentes. Se fosse por conta própria corria o risco de chegar atrasado.

— Não preciso. Ainda não pelo menos. Obrigado! — Sorriu para o pai e saiu deixando-os sozinhos. Ouviu pela janela sua mãe dizendo "vai com Deus".

Atravessou a rua correndo enquanto uma moto vinha à distância e contornou o quarteirão, descendo rumo ao supermercado. O ônibus passava na esquina do supermercado, mas ele podia vê-lo contornando o quarteirão da frente pelo segundo cruzamento depois do que ele estava. Em instantes estaria no ponto e ele ainda não havia chegado. Rápido. Pensou, segurando as alças da bolsa com firmeza e saindo correndo.

Contornou o supermercado só para ver o ônibus passar ali e parar na esquina, no ponto. Continuou correndo, mas quando chegou na metade do quarteirão o ônibus na esquina fechou a porta e voltou a acelerar. Arturo soltou os músculos de seu corpo como uma marionete arriada e suspirou. Agora eu aceitaria a carona.

O Herdeiro; A ascensão das trevasWhere stories live. Discover now