A lamparina bidimensional

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Dilma olhou o corpo caído no chão. Não ficou surpresa, aquela era, visivelmente, a primeira vez que o garoto viajava entre dimensões. Na primeira vez sempre igual, enjoo, dor de cabeça, pressão cai, desmaios... Pelo menos não vomitou nos tapetes.

Ela olhou para as vitrines de sua loja, as cortinas suspensas simplesmente se soltaram tapando o sol do lado de fora e impedindo que os forenses vissem o que acontecia ali dentro. Dilma olhou para o teto e os variados lustres se acenderam iluminando o ambiente. Depois das precauções básicas, Dilma encarou a lamparina.

O globo metálico suspenso estava envolto por uma quantidade assustadora de energia residual. Era como ondulações de plasma, presas por gravidade ao globo, contornando-o, acinzentada e translucidas. Dilma se aproximou e observou com cuidado. Aquela situação só acontecia quando muita energia era dissipada no transporte bidimensional deixando para trás a carga residual aprisionada no veículo de transporte. No caso, a lamparina.

No entanto nem mesmo os Miswl deixavam para trás aquela quantidade absurda de energia. Um rastro desses só pode significar uma coisa. Dilma pensou temerosa. Aquele garoto não era um simples humano. Nem um simples mago, nem bruxo, nem feiticeiro. Ele é algo muito maior, mas o quê? Aquilo havia, rapidamente, fugido de sua competência de exilada.

Então abriu o compartimento de vidro da lamparina, olhando a energia com uma malicia terrível. É errado. Disse para si mesma, mas na verdade não havia nenhuma lei que a proibisse. Não aqui pelo menos. Com o indicador esticado chegou perto de tocar aquela forma maleável de energia ao redor do globo, sentiu a vibração do véu e recuou.

Mais poder do que se pode ter é o caminho para o desconhecido e para a destruição. Forçou-se a parar. Foi para o balcão onde abriu uma gaveta e pegou uma bolinha do tamanho de uma bolinha de gude de vidro, era transparente e incolor, mas assim que Dilma encostou nela o interior se revirou e era como se a galáxia ali fosse contida. De volta a lamparina ela esticou a mão, mexeu os dedos e a energia residual pareceu responder, se desvencilhando do globo, flutuando no ar como uma pluma sendo levada pelo vento. Com a outra mão Dilma fez a bolinha de vidro flutuar entre seus dedos e uma foi de encontro a outra até que a energia residual se dissolvesse em partículas como faíscas que adentravam a bolinha de vidro, fazendo o pequeno universo ali contido se desmantelar em cinzas. Quando terminou a bolinha translucida era cinza como uma nuvem chuvosa, não havia rastro algum de um universo ali dentro ou de qualquer coisa anormal na lamparina.

— Pronto. — Disse por fim agarrando a bolinha cinzenta e a guardou no seu bolso.

Fechou os olhos pensando no que aquilo poderia lhe conceder. Talvez o meu caminho de volta. Mas não valia a pena pensar naquelas insanidades. Foram aqueles erros que a fizeram ser banida. Se continuasse naquele caminho acabaria morta. Atrás dela o garoto soltou um gemido, acordando.

— O que aconteceu? — Apoiado na parede, Arturo perguntou enquanto acordava de seu desmaio.

Dilma olhou para ele e então retornou ao balcão, se apoiando.

— Está melhor? Meu nome é Dilma Darttis. Pode me chamar de Dona Dida, todos me chamam assim.

— O que acontece? — Arturo se colocou de pé, bamboleando. A mochila no chão ao seu lado. — Eu, onde quer... Eu morri?

— Quem morre tocando em uma lamparina? Isso seria ridículo. — Ela respondeu com um pouco de humor na voz, não queria ver o lado ruim daquele menino, sequer imaginava como alguém poderia matar ele. — Você entrou em Ipeiros com uma chave dimensional.

— Sim, claro... — Arturo se engasgou olhando ao redor. Foi quando reparou na porta com persianas fechadas, e janelas com cortinas. Os lustres acesos, sem saída, sem testemunhas. — E que ano eu tô?

O Herdeiro; A ascensão das trevasWhere stories live. Discover now