02 - Fazemos um Amparo.

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- Onde estamos? O que vamos fazer? - Minha pergunta fez Grace parar de andar e olhar para mim.

- Estamos indo fazer um amparo Thomas. Vamos ajudar uma pobre alma perdida na escuridão a aceitar sua morte e seguir seu caminho no pós vida. Em outras palavras, vamos resgatar uma alma.

- Ok... E esse lugar?

- É um quilombo. Estamos no Brasil.

- Brasil?! Viemos da Carolina do Sul, a quê velocidade você pode voar?!

- Chega de brincadeiras Thomas. Depois nós iremos nos divertir, mas agora preciso que se concentre no que viemos  fazer. - Grace estava falando sério.

Eu sabia que ela costumava fazer esse tipo de coisa, mas não tinha parado para pensar na seriedade com que ela fazia isso. Como também não esperava que um dia eu fosse me tornar seu ajudante.

- Tudo bem... Estamos no Brasil e se é um quilombo, nós vamos ajudar uma pessoa que está aqui desde a época da escravidão? - Aquilo não entrou na minha cabeça.

- Isso mesmo. Na lista que me passaram, eu deveria escolher entre Brasil, Portugal ou Venezuela, então escolhi aqui, pois faz algum tempo que não tenho contato com esse tipo de caso.

Já falei isso para você, mas vou repetir... Algumas pessoas não conseguem seguir em frente após a morte por razões terrenas, como ódio, ganância, tristeza e principalmente por não aceitar que a morte não é o fim. Também existem os que tem uma morte horrível e sofreram o que eu chamo de "trauma pós morte".

- Eu sei, são pessoas tristes que muitas vezes nem sabem que morreram e estão revivendo toda a sua dor. Vamos lá. - Me apressei. Imaginar alguém tanto tempo ali quase me deu agonia.

Andamos um pouco e notamos algumas "pessoas", para não dizer zumbis, passando pelo local e carregando coisas como cestas, troncos, pedaços de madeira, ferramentas e capinando o nada. Era óbvio que estavam fazendo exatamente o que eu falei. Aquelas almas haviam criado uma ilusão de refugio com o quilombo, mas ainda faziam o que passaram a vida se acostumando a fazer... Trabalho escravo.

Eles não descansavam nem mesmo depois da morte, mas ao mesmo tempo não tinham consciência, o que era uma coisa boa, devido as circunstâncias. É meio difícil de explicar, mas imagine que eles estavam "dormindo" por muitos anos e que por isso não sentiam o tempo passar. Literalmente estavam ali há mais de 100 anos "sonâmbulos".

Os "zumbis" perambulando por ali com suas ferramentas e utensílios concertando, capinando e colhendo o "nada" precisavam acordar de forma natural ou por um "despertador", que no caso costuma ser um espírito consciente. A maioria ainda não estava pronta, mas se Grace estava ali... Havia alguém despertando, alguém pronto para acordar.

Depois de andarmos um pouco mais e chegarmos a um lugar estranho, onde eu paguei o mico de perguntar se era um estábulo e Grace dizer que era uma senzala, ela abriu a porta. Eu não tinha culpa que a noção de espaço no astral é diferente do físico, cada pessoa podia moldar a sua realidade, mas uma senzala dentro de um quilombo...

- Quem tá aí? - Uma voz masculina e fraca veio da escuridão.

- Não se assuste, nós podemos ajudar. - Grace foi entrando no local escuro. Eu estava andando atrás dela, mas não enxergava direto.

- Ninguém pode me ajudar. Eu preso nesse lugar desde que nasci.

- Eu lamento. - Grace fez sinal para eu me aproximar do homem. Uma curiosidade é que não costuma haver essa coisa de "idiomas" no astral. Ouvimos idioma e linguajar mais ou menos como estamos acostumados. Enfim, fui me aproximando e tentei fazer o melhor possível.

Saindo do CorpoWhere stories live. Discover now