De onde?

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De repente ela acordou do seu transe. Porque quis, mesmo sem saber que estava desacordada.

Que lugar estranho era aquele? Parecia uma estação de trem, mas que trem? Para onde é que estava indo?

Ela olhou por todos os lados. A sua volta haviam pessoas indo e vindo, caminhando com pressa, com ternos e gravatas ou saias. Dentre essa multidão monocromática, ela pôde ver um casal que não muito se distinguia da multidão, a não ser pelas sobrancelhas baixas e apertadas, estar caminhando em sua direção.

Ela gelou. Suas pernas aqueceram e bambearam. Seu coração acelerou. Ela correria dali, se braços Invisíveis não a segurassem sem força. Ela não sabia o que queria, porém. Mesmo sem estar paralisada, ela permaneceria ali, mas paralisada, ela fugiria. Ela não queria o possível, ela não foi feita para isso.

Seus olhos arregalados denunciavam seu medo àquele casal estranho, que por sua vez seus cenhos franzidos e sobrancelhas abaixadas denunciavam sua raiva, ou concentração.

"Me larguem! Me larguem!", pensava a garota uma hora. "Estou aqui! Estou aqui!", pensava em outro instante. "Me levem! Socorro! Não deixem me levarem! Me levem!". Ou ela sabia o que queria, ou estava ainda mais perdida que eles.

Chegou a hora, o casal passou reto. Ela enrubesceu como se fosse a primeira vez, a se lembrar. Até pôde ouvir algo em sua mente, não era algo difícil, por causa da barulheira da estação de trem e das pessoas ali, mas aquilo ela sentiu que foi para ela.

"Ali! Aquela garota!", ela ouviu. E olhou em volta para procurar. Viu um cara de terno, o que, ela percebeu, era o que sempre veria de agora em diante — apontando em sua direção, balançando o dedo e o braço.

Onde estavam os braços para lhe dar vontade de correr, agora? Mas ela não se importou, não precisava deles de qualquer forma. Ignorou o mundo a sua volta e pôs-se a correr. Foi em direção a uma escada de metal, que levava a uma ponte que passava por cima dos trilhos do treme por ele mesmo, subiu-as com clara pressa e começou a atravessar a ponte. Na metade do caminho, enxergou do outro lado um homem, que parecia muito com o daquele segundo casal. Paralisou.

Enquanto estava inerte em medo, o casal real apareceu, agarrando-a pelos braços, com leveza, mas com uma força dimensional, que segurava em sua alma.

— Sua desavergonhada! — a mulher disse, com uma voz aguda e áspera, apontando com o indicador no seu rosto e balançando a mão, tratando-a como se fosse uma criança, ou um cachorro.

O homem olhava com olhos arregalados, sem saber o que dizer, tentando achar um jeito de enfatizar o que a mulher dizia apenas concordando.

Ela não sabia o que dizer e nem como reagir. Não sabia quem eram eles e nem de onde vinham.

— Venha, vamos para casa! — aquela voz áspera, mandando. Puxando-a desnecessariamente pelo braço, em direção a escada.

**************

Em seus pensamentos, ela se perdeu no caminho. No caminho inteiro. Ela não soube por onde foi ou quanto tempo demorou para chegar. Só percebeu quando chegou; uma casa de dois andares, estilo americana, de cidadezinhas em planícies e com vizinhos que se falam. A luz branca dos postes iluminava a noite juntamente com poucas estrelas, a lua brilhava lá no fundo, pequena.

Ela observava a casa quando, com um barulho, a sua porta foi aberta. O homem apareceu do outro lado, chamando-a.

— Vamos, filha. Pare de observar o nada, isso não rende nem ideias.

"Filha", de onde já se viu? Quem era ele?

Ela saiu do carro. Andou sob as ameaças dos olhos fulminantes da mulher e parou em frente a porta. O homem chegou e a abriu.

— Mocinha, você vai entrar, subir, tomar banho e dormir, eu não quero nem saber! — a mulher deu outro recado.

Presa em tantos pensamentos, ela não teve nem tempo de pensar. Estava inerte, estava sem tempo. Estava presa, estava em outro mundo, viajando a quilômetros por hora... E foi acordada, de novo.

— Vai logo! — a mulher lembrou-a. Desnecessária, como uma agonia, lembretes velhos como notificações de celular. Como o 5G acaba, sua paciência também. Imaginou um recado de celular: "Sua paciência está acabando, favor mande 0125 para mais. Seus créditos valem até amanhã!".

E sem saber o que mais a mensagem dizia, revirou os olhos para a mulher, como se fosse costume, e subiu as escadas de madeira. Sem saber porquê, virou à direita já no andar de cima. Viu uma porta branca com uma flor roxa pintada no canto inferior esquerdo, do outro lado da maçaneta. Ela soube que aquele "era" o seu quarto.

Lá dentro havia uma cama na frente e embaixo de uma janela branca, a cortina diáfana de mesma cor balançava com a janela aberta. Do outro lado da janela ela viu uma árvore seca, sem folhas, mas não se lembrava de tê-la visto de dentro do carro. "Estava escuro", concluiu, mesmo com tantos postes LED.

Havia também um armário do lado esquerdo da cama, e na frente da porta, do outro lado do armário, uma estante fofa de madeira, também pintada de branco. Do lado direito e encostada na cama havia uma escrivaninha. Dentre poucas coisas ali em cima, como um copo de água e uma cartela de comprimidos, que ela não quis saber quais eram, havia um celular preto. Quais informações sobre a vida de alguém não haveria ali?

— CLARAAA! — ouviu aquela mulher gritar novamente. Uma interrupção infinita de pensamentos.

Esboçando uma reação de nojo, ela foi tomar seu banho. Não esperando prestar atenção nos detalhes, por toda sua viajem. Não sabia o que aconteceu no banheiro, sua mente estava vidrada numa tela brilhante. Aquilo seria a verdade ou falsificação? Se sua digital funcionasse, o celular seria dela com certeza. E se não lembrava seu nome, quem diria saber a senha do celular.

Não havia água quente, o que lhe deixou com raiva. Nem sabia qual era seu gosto de roupas. Não aguentava mais ouvir a voz daquela mulher, de onde veio algo tão irritante, ensurdecedor e estridente? Pelo menos aquele homem bobo era mais silencioso. Porém, não menos chato.

Depois de se secar com uma toalha roxa com uma borda rendada em flores. Checou se não havia ninguém fora do banheiro e saiu correndo até seu quarto, desvestida, pois esquecera de pegar roupas limpas. Se lembrou do que a mulher disse, porém com uma voz mais cômica: "... e dormir...". Ela assim supôs que ninguém mais iria encher sua paciência ou entrar em seu quarto se parecesse estar dormindo, como lhe fora ordenado.

Mesmo assim, achou algo para se proteger da vista de pervertidos ou acidentes que gostaria de evitar com o maior cuidado. Um pijama branco de flores roxas; um mini short e uma regata, era suficiente.

Deitou na cama de renda previsível, se enfiou de baixo das cobertas e puxou o celular para a escuridão. Hora da verdade.

AcordadaWhere stories live. Discover now