Quem?

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— ACOOORDA, MARIIA! — outro grito da mulher insuportável. Era como se ela existisse apenas para fazer isso; gritar.

Ela mal conseguia abrir os olhos para revirá-los, como ela se levantaria dali? E suas roupas...? A curiosidade foi maior que o sono. Queria ver suas roupas.

Se levantou e viu um uniforme escolar, achou ela, pendurado no armário. Agora sim ela conseguiu revirar os olhos. Havia uma blusa branca de botão com detalhes em amarelo e uma saia azul detalhada em amarelo também. Na manga da blusa, via-se a logo da escola, como era de se supor, era um "ND". Descobriria seu significado quando chegasse a hora.

Quando desceu as escadas para comer, descobriu que não havia café da manhã para ela. Sua indignação tocou o céu e escancarou-se em seu rosto. Como poderia ser mais óbvio o que sentia? Agora, além de estar confusa, estava com raiva, sono, fome e indignada.

— E então...? — ela achou que disse, numa ausência de sons.

— O que está esperando? Vá para a aula! Seu ônibus está te esperando lá fora tem algum tempo! — a mulher respondeu. Ela teve a sensação de estar sendo expulsa dali.

Viu uma mochila ao lado da porta, devia ser sua. Pegou-a e saiu batendo a porta. Depois da batida, ouviu gritos abafados, que não entendeu nada, isso a deixou com um sorriso maldoso no rosto.

De fato, havia um ônibus lá fora, ele era verde com detalhes azuis. Achou bonito.

Quando subiu no ônibus, o motorista a saudou:

— Bom dia, Clara — e deu um sorriso que fez seu bigode mexer.

Ela apenas sorriu e pensou que repetiu um "bom dia".

"Novo Dia", esse era o nome da escola. A princípio se sentiu intimidada pelo nome, mas o pior ainda estava por vir, então apenas tentou se acalmar.

Entrar lá, seria como se fosse uma pessoa famosa fazer algo. Ela não conhecia ninguém, mas de acordo com sua popularidade ali, muitas ou nenhuma pessoa poderiam conhecê-la. Só restava esperar para saber, como sempre.

"Pra onde eu vou?", ela se questionou. "Bem, alguém deve me conhecer... e... se eu não aparecer na sala... alguém deve ir atrás de mim..."

O prédio da escola era guardado por um portão e enormes grades. Ele vinha logo após uma enorme passarela feita de um material que gosta de ralar joelhos de crianças e se bifurcava em um chão liso depois. Parecia um caminho interminável para ela. Ela andou olhando para todos os lados, tentando descobrir qualquer coisa. À sua direita estava o prédio onde ficavam as salas, ele era grandioso. E à sua esquerda havia algo como um pátio. Na bifurcação, ela escolheu o caminho contrário ao prédio. Onde viu que havia uma lanchonete logo depois. Ela foi para lá.

Na lanchonete haviam várias mesas de uma madeira engraçada, quase plastificada, como se a madeira fosse apenas uma casca. As cadeiras ao menos não enganavam, eram realmente de plástico. Um plástico marrom e firme, com um design refinado.

Ela procurou pela mesa mais afastada, junta da parede e perto das janelas. Ela se sentou. Por deus, ela conseguiu trazer seu celular. Puxou-o do bolso mais afora da mochila e o ligou. "Meu Namorado", ela procurou. Ligou para ele. Obviamente, sem êxito. Porque, em sua vida, seus únicos sucessos eram para e em fracassar.

"Mãe", "Pai". Será que eles atenderiam? Só haviam eles, afinal.

***************

Ela não ligou. Não queria saber se atenderiam também. Sabia que não o fariam. Mas se estava sozinha, isso era um fato. Numa lanchonete daquele tamanho, não era pequena, além dela, apenas as funcionárias, que, como sempre, deviam ser mulheres que usavam toucas e vestiam branco, de tamanho curto e largo. Elas pareciam não a notar. Mas e com um grito? Numa vida de quatro supostas palavras, dar um grito deve ser difícil. Ainda mais quando qualquer barulho seu vai ser ouvido por todos. O silêncio reina, e você, quebraria tudo como uma fogueira na escuridão, chamando toda a atenção para você, e você não faz ideia do que dizer. Deve ser um terror.

Ficou esperando por um bom tempo. Ficou entediada de tanto esperar e ainda nada se resolveu. Nada aconteceu. Repousou a cabeça nos braços sobre a mesa e esperou mais. "O que aconteceu?", ela se perguntou agora, como se fosse a primeira vez. Ela não tivera seu tempo para pensar sobre tudo, ou sobre nada. Sempre estivera ocupada viajando, ou decidindo o que fazer, se esquecendo de se preocupar com algo relevante para si mesma. Ela esqueceu, e agora estava esquecida. Mas não era diferente? Ela não se lembrava de absolutamente nada!

Por que estava naquela estação de trem naquele dia? Para onde ia?, se perguntava. Do que fugia? Por que? Vai ver a resposta poderia ser simples; tudo. Ou não; tudo.

"Eu quero fugir daqui", ela pensava. Mas fugir de onde? De onde alguém fugiria se não estava em lugar nenhum? As pessoas sabiam seu nome, sabiam como ela era chamada. Mas ela não. Não sabia quem era, do que se chamava, do que achava de si mesma, ou qualquer outra coisa. Ela estava perdida dentro de um lugar imenso e lugar nenhum, sua mente estava perdida. E o que se é sem a si próprio?

Estava escondida num mundo escuro, onde ninguém a via demonstrar suas fraquezas, pois era isso que viam. Estava escondido num mundo dolorido e confortável. Seu pescoço e costas doíam, mas seus olhos descansavam. Quem veria? Quem veria aquela lágrima escorrer por seu rosto além dela mesma? Ela, que não conhecia suas fraquezas, que não conhecia a si mesma? Ela, que não era ninguém?

O tempo passou e ela ouviu o último dos sinais bater. Então fez o que devia ser feito, ir embora. No caminho ao portão, passou por um rapaz vistoso, que a viu. Ele deu um sorriso sereno, tímido. Ela, por sua vez, corou e sorriu sem jeito, sem saber o que fazer. Ele deu um risinho e seguiu seu caminho.

Envergonhada e desconcertada, ela continuou a andar, trombou em algumas pessoas sem querer, mas não era nada. Mal parecia que poucos instantes atrás, estava em lágrimas. Ela saiu pelo não tão grande portão e procurou pelo ônibus colorido. Achando-o, fez seu caminho até ele.

AcordadaWhere stories live. Discover now