Como?

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No caminho de volta para sua suposta casa, ela foi na janela, prestando atenção na paisagem dessa vez. Ficou assustada com a falta de vida do lugar todo. Passava por campos vazios cheios de verde e ausência de vida ou sentimento real. Colinas verdes e casas fechadas, um céu azul de poucas nuvens e pouquíssimas árvores nessas áreas.

Passando por várias colinas verdejantes, ela viu algo peculiar numa colina específica. Era algo feito de tijolos amarelos, formando um círculo vazio, que a altura ia até a cintura. Ela ficou instigada a ver aquilo mais de perto quando tivesse a chance.

Depois do que viu, sua mente foi tomada por especulações. Nem conseguiu prestar atenção aos campos vazios com poucas vacas em fazendas e as árvores.

Chegou em casa tentando prever tudo o que poderia acontecer. Falhou em algumas coisas, mas em sumo, estava certa; a mulher a mandou fazer bastantes coisas. Se arrumar, comer, e obviamente, dormir. Porque não havia nada a se fazer lá, além de chorar.

As mesmas coisas, todo dia. As mesmas coisas, todos os dias, até que se perdesse sua essência, até que se esquecesse quem se é. Até que um dia talvez acordasse, com vontade de mudar, e tudo fosse em vão. E tudo fosse por água abaixo, presa em uma corrente de ferro, inquebrável como opiniões. Uma falha e uma queda.

Ela não escutava os gritos da mulher, embora os ouvisse. Ela via a tudo obscurecidamente, sem enxergar. De repente, tudo se tornou normal, tudo se tornou rotina. Ela não estava mais com fome, percebeu enquanto terminava de se enxugar numa toalha verde. Sua cama de renda previsível sumiu, agora estava verde. E as paredes começaram a descascar sozinhas. A cortina começou a se rasgar, os galhos da árvore em frente à janela estavam verdes agora.

Naquele dia, quando chegou em casa, tempos atrás, quando, agora suspeitava levemente, pensou ter visto um poço fundado em um muro amarelo, no caminho, tentou fazer algo bonito. Tentou fazer uma poesia. Algo poético. Mas o que seria poético ali, com tantas carnes vivas cheias de almas mortas? Um pasto enorme e vazio, para vacas magras passarem o tempo? Ela se lembrou de pensar, e também lembrou que desistira. Nada seria bonito. Não ali. Não na sua história. Na verdade, ela não conseguiu pensar em nada bom o suficiente, então desistiu.

"Quantos dias eu realmente vivi? Quantas palavras eu realmente pronunciei? Que maravilhas eu vi?", ela se perguntou, confusa. "Quando foi que eu me esqueci de ir ver aquele negócio amarelo no alto daquela colina?" Quando ela faria alguma coisa?

De repente sentiu algo formigar nas suas pernas, a sua barriga borbulhar com uma ansiedade incessante e uma palpitação no seu coração. Ela levantou da cama, que também não sabia por que estava lá, e foi até a janela. Era o segundo andar, não haveriam muitos riscos, pensou ela. Ela passou seu corpo para o lado de fora da janela e se pendurou com as mãos. Seu pé foi escorregando pela madeira de fora e suas mãos se soltaram pelo puxão que houve. Ela caiu sentada na grama, com dor e agonia.

Mas não havia tempo para aquilo, ela se levantou depressa, fingindo que estava tudo bem. Repentinamente ela sentiu saudades de alguém, não sabia de quem, não havia ninguém também.

Estava de casaco já que a noite ali era fria, pelo menos compensava o calor que suas coxas descobertas perdiam. Foi até a calçada e olhou para o céu pouco estrelado. Olhou para a casa, deu um suspiro e começou a andar.

Ela não correu, não acelerou o passo, ao menos uma vez. Aquilo tudo era automático, como sempre. O sol já estava nascendo, mas ela não sabia se era porque era muito longe ou porque começou a andar perto do início do dia. Ela não estava cansada, sentia que podia andar aquilo tudo de novo, e pensando nisso, viu a área das colinas.

Agora ela correu.

Viu a pequena construção e começou a correr mais ainda.

Ouviu latidos, vindos de lugar nenhum. Ouviu uma ambulância, vinda de lugar nenhum. Imagens colidiam e se chocavam na sua mente. Ouviu um carro de polícia desgovernado e mais cachorros. Via luzes vermelhas, azuis e amarelas na sua mente. Sentiu uma tontura de repente e quase caiu no chão.

Ela olhou para trás por intuição e o barulho pareceu maior. Então ela decidiu que devia acelerar o passo. Correu mais rápido e tropeçou, caiu com a mão na grama, sem parar de correr quase caiu por cima do braço. A imagem amarela estava cada vez mais próxima e maior. Com a velocidade, parou logo em cima, batendo a cintura no topo do muro e apoiando as mãos nele para não cair. Levou um susto com o que viu e cambaleou para trás.

Havia um negrume lá no fundo, era um pontinho minúsculo, um buraco muito fundo. Ela não conseguia nem saber se realmente era um poço com água no fundo. Ela queria descer lá e descobrir.

Olhou ao seu redor novamente, não viu ninguém, mas ouviu os cachorros de novo. Olhou dentro do poço. Olhou para o céu azul. De repente se sentiu exausta e se sentou na grama. Deitou e começou a olhar as nuvens. Nunca houveram muitas, ela sabia, mas dava para se observar algumas.

Depois de um minuto ou várias horas, ela decidiu se levantar. Com repentina vontade de algo, ela se pôs a correr para casa. 

AcordadaWhere stories live. Discover now