Primeira Gravação

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Um barulho grave foi ouvido, seguido de um ranger agudo, como o grito de um fantasma que congela as espinhas. A essa altura do campeonato, já não assusta mais a Louis, afinal faz três anos que ele vem ouvindo esse mesmo barulho. Serve apenas de aviso, como um sino, de que alguém conseguiu abrir a porta de sua casa. Esse alguém só poderia ser Harry.

Louis se encontra na cozinha com uma filmadora na mão. Acabou de compra-la e agora está tentando descobrir como ela funciona. Está tentando se recordar o que o vendedor instruiu para não ter que recorrer ao manual, algo que ele odeia. Hoje em dia o mundo está sendo recheado de tecnologias e todas elas vem acompanhadas de um longo livro de instruções. Louis não quer ficar lendo o que se deve fazer, ele quer logo apertar os botões. Harry não se importa de ler os manuais... Com certeza ele vai ter que ensinar Louis a mexer em mais um aparato eletrônico mais tarde.

Os passos se estenderam pelo corredor, soando meio arrastado, indo em direção a cozinha. Quando Harry estava prestes a alcançar seu marido, Louis conseguiu fazer a filmadora iniciar uma gravação; então, ele se voltou para o rapaz de cabelo longo e oleoso que acabara de entrar.

"O que é isso, amor?" perguntou Harry ao ver Louis segurando um trambolho em sua face, um olho fechado.

"É uma filmadora. Serve para fazermos nossos próprios filmes. Acabei de comprar", disse todo animado enquanto olhava para o rosto desanimado de Harry através das lentes da máquina.

"Está fazendo um vídeo de mim?" Harry perguntou incerto. "Por que você comprou isso? Você sabe que estamos apertados", resmungou enfim o que queria dizer.

"Desculpa, eu..." a filmagem foi desviada para o lado, perdendo o foco de Harry. Louis pareceu finalmente perceber a irritação do outro e se recordou de algo importante. Sendo assim, tentou desligar a filmadora, mas não obteve sucesso. Decidiu apenas deixa-la sobre a mesa e resolver isso depois. Harry precisava dele nesse momento. "Como foi?"

Através das lentes era possível ver Harry sentado na mesa da cozinha com os ombros baixos enquanto arfava tristemente. Louis se aproximava e se mantinha em pé parado próximo ao outro aguardando que falasse alguma coisa. Agarrou sua mão em sinal de encorajamento.

"Eles gostaram, Louis", disse ainda triste, sua voz quase inaudível.

"Eles gostaram?" Louis falou um pouco mais alto, sem saber ao certo se devia comemorar ou não, afinal, Harry continuava cabisbaixo. "Então...?"

"Mas... eles queriam que eu mudasse várias coisas. Queriam que eu transformasse o meu livro em algo apenas narrado e retirasse as poesias", levantou-se frustrado. "Eu me neguei, então eles me recusaram. Não vão publicar o meu livro".

Louis ficou sem reação vendo seu marido se afastando. Já não aparecia mais no vídeo, mas se ouvia o barulho de água saindo da pia, então é de se imaginar que ele estava bebendo-a. Louis tomou coragem e sugeriu algo delicadamente:

"Por que você não o muda um pouco?"

"Não posso, Louis", Harry retornava sorrateiramente para frente da câmera, "a narrativa foi toda construída para despertar sensações diversas nas pessoas", justificou, "por isso se chama Mixologia Sensorial, pra começo de conversa! Se eu retirar as poesias e se... se eu mexer uma vírgula, toda essa experiência vai pro espaço!" estava mais do que exaltado agora.

"Eu sei, eu sei", dizia Louis já abraçando-o para conforta-lo.

"Eles disseram que precisam fazer isso pra poder ter apelo comercial", continua Harry. A partir de então, ele passa a se queixar sobre a forma como a Indústria Cultural se utiliza da arte e de como isso só atrapalha a produção, afinal de contas, um texto tão lindo quanto aquele escrito por Harry não seria divulgado. Ninguém teria oportunidade de lê-lo.

"Talvez seja um pouco confuso, eu admito", continua ele falando sobre sua obra, "mas é isso que muda tudo!" desvencilha-se de Louis e começa a justificar sua arte, por mais que odeie fazer isso: "as pessoas querem coisas fáceis. Querem ler algo que irão compreender de imediato. Meu livro não é assim. O mais importante em si não é entender os parágrafos, mas senti-los! E aí, todas essas sensações se misturam e você descobre que é possível sentir felicidade e medo ao mesmo tempo!"

"Então diga isso a eles!" Louis esbugalha os olhos para mostrar sua convicção de que tudo irá dar certo se Harry fizer isso. "Volte lá amanhã e diga isso a eles!"

"Não posso ir lá amanhã", Harry volta a se sentar. "Tenho que cobrir na padaria por ter faltado hoje".

"Então vá outro dia", continua Louis em busca de uma solução, "ou marque um horário diferente. O que quer que seja, você não pode desistir", ajoelhou-se diante do amado e segurou suas mãos, "você já fez tanto. Não vai parar agora que está tão próximo, não é?" Um silêncio se formou por uns dois segundos em que se escutava apenas a respiração de ambos. "Além do mais, sabe que vai sempre poder contar comigo. Eu vou fazer o que puder pra te ajudar a realizar seus sonhos", Louis apertou as mãos dele com mais força e lhe fez um carinho em seguida.

"Obrigado..." Harry murmurou.

"Prometa que vai tentar", Louis limpou uma lágrima que havia escapado. Com um sorriso bobo, Harry assente. Suavemente, Louis se aproxima e o beija. A filmadora continua a filma-los. "Oh", Louis abre os olhos de repente e se levanta feito um relâmpago. "Tive uma ideia!"

"O que foi?" Harry tenta esconder o riso recém formado ao ver seu amado todo elétrico.

"Me leva com você na próxima reunião! Eu vou te ajudar a vender esse livro!"

"O que você vai fazer?"

"Você sabe, eu tive algumas aulas na universidade de Marketing, afinal, e se tem uma coisa que eu aprendi é que... se eles acham que seu livro é um produto, então nós podemos vende-lo. Com o marketing adequado, podemos vender qualquer coisa!"

"E qual é o seu plano, senhor marketeiro?" perguntou Harry com um largo sorriso e esperança renovada.

"O principal diferencial do seu livro é a experiência sensorial. É isso que temos que vender. ESSA é a nossa propaganda!" Louis mexia os braços como se fosse um vendedor televisivo e Harry se divertia com isso.

"Ok".

"Ok?"

"Yeah", Harry assente sorrindo. "Eu confio em você!"

"Obrigado, babe", Louis apertou a bochecha do amado. "Eu sabia que as aulas que tive iam me servir pra alguma coisa! Pena que eu não pude ter mais aulas..." disse pensativo.

"É", o sorriso de Harry desapareceu tão rápido quanto surgiu. "Você sempre diz isso..." pensou alto, mas Louis não pareceu ouvir.

"Além do mais, se nós conseguirmos isso, então... pensa no que poderíamos fazer", Louis se mostra sonhador, "poderíamos finalmente ajeitar essa casa! Quem sabe poderíamos até sair em lua de mel!" Sim, pois o dinheiro da lua de mel havia sido investido na compra da casa, então eles nunca tiveram essa chance.

"Isso é maravilhoso, mas..." Harry demostrava estar receoso agora. "Você sabe que o mais importante é tocar a vida das pessoas que vão ler essa obra, certo? Eu não fiz isso pelo dinheiro, eu fiz..."

"...pelas pessoas", completou Louis. "Sim, eu sei, babe", sorriu e lhe deu mais um beijo. "Nem acredito..."

"O quê?"

"Agora, além de casados, eu também sou seu agente".

"Não fale besteiras", disse Harry se levantando com uma gargalhada, seu ânimo renovado.

"É verdade, não é?"

"Você consertou o chuveiro? Eu preciso muito de um banho agora".

"É claro que sim! Está como novo".

"Ótimo. Vou tomar um banho... você vem?"

"Já estou indo, babe", diz Louis ao pegar a câmera e tentar desliga-la. Levam alguns minutos, mas eventualmente ele consegue.

Fim da primeira gravação.

Letters to Lou (Larry Stylinson)Where stories live. Discover now