CAPÍTULO 9-LUÍS VOLTA PARA A SUA CIDADE NATAL

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Felipe não acreditou em seus próprios olhos quando viu a figura que estava parada na porta do salão onde trabalhava como cabeleireiro.

Acabara de pranchar os cabelos de Soraia, uma de suas clientes mais assíduas,  e esfregava os pulsos cansados: os cabelos da garota eram abundantes e iam até a cintura.

Retirou o avental e foi logo ao encontro do primo, não sem observar como ele estava desfeito. Luís trazia marcas visíveis de uma noite mal dormida.

_Quem  é vivo sempre aparece...O filho pródigo à casa retorna...devo começar a festa?_disse entusiasmado.

Abraçaram-se e Felipe pode notar que o bíceps ainda parecia duro feito uma rocha, as mãos enormes ainda pareciam capazes de abrir um buraco numa parede e os músculos despontavam debaixo de uma camisa de malha branca.

_Como vai, primo? _disse Luís simplesmente.

_Estou bem...ao contrário de você, primo. É impressão minha ou a Laila tem abusado demais do meu primo? Sexo demais provoca calvície, hein?! Que bom que você finalmente veio me visitar, Luís. Estava morrendo de saudades, cara!_riu.

Luís deu um suspiro curto e não respondeu. No minuto seguinte, decidiu soltar tudo de uma vez:

_Não vim te visitar. Vim pra ficar. Estou de volta. Terminei com a Laila.

Felipe notou que a voz do primo estava sofrida e, como só faltasse uma hora para o salão fechar e ele não tivesse nenhuma cliente esperando, resolveu sair mais cedo, já que tinha hora extra na casa.

_Não quero te atrapalhar...posso voltar depois._disse Luís percebendo que ele estava arrumando-se para ir embora.

_Não, sem problemas. Vamos. Sei de um lugar onde poderemos conversar sossegados, grandão.

Luís se deixou conduzir pela mão que Felipe colocara em seu ombro.

_Não quero ver gente. Estou de carro. Você está a pé? Poderíamos ir pra sua casa, se não se importa.

_Estou de bicicleta, mas posso deixá-la guardada aqui sem problema.

Saíram juntos e fizeram todo o percurso até a casa de Felipe em silêncio.

Felipe notou como ele estava abatido e deprimido.

Pararam em frente a casa de Felipe.

_Quer guardar o carro?_perguntou o cabeleireiro simplesmente.

_Quero. Poderia abrir o portão pra mim, por favor?

Assim que desligou o carro, desceu e pegou uma mala. Felipe notara que o carro estava cheio de objetos como computador, televisão, vários livros e outras malas.

Entraram em silêncio e Luís olhou a casa saudosamente. Ainda podia se lembrar dele e do primo correndo pela casa brincando, ouvir a tia reclamar que jogar bola dentro de casa iria quebrar as suas loucas.

Felipe já voltava com duas latinhas de cerveja e o convidava para sentar-se no sofá.

Um longo silêncio se seguiu, enquanto Luís, cabisbaixo, bebia a cerveja.

_Alguém sabe que você está na cidade?

_Não. Não avisei ninguém. Posso ficar aqui por algum tempo, quer dizer, até colocar a cabeça no lugar e acalmar minhas ideias, Felipe?

_É claro, primo. O tempo que quiser. 

Finalmente, Luís desabafou tudo o que ocorrera nos últimos dias, enquanto Felipe o olhava calado, sem interrompê-lo, até que ele pareceu ter terminado de colocar tudo pra fora.

_Achei que ela era a mulher perfeita...a mulher da minha  vida._disse Luís observando a latinha que trazia na mão._Iríamos nos casar, constituir família, dividir o mesmo teto, mas, ao primeiro sinal de problema...ela me abandonou lá...sozinho naquele consultório. Nem imagina o quanto aquilo doeu, Felipe.

Felipe sabia que deveria falar algo, mas temia falar algo errado e decidiu continuar calado.

Nunca gostara de Laila. Ela seria perfeita sim, se o mundo fosse perfeito... se não houvessem problemas...se tudo pudesse ser do jeito dela.

Felipe percebera o olhar reprovador que ela lhe lançara, quando Luís os apresentara pela câmera do computador num dia em que eles conversavam.

_O que pensa fazer agora, Luís?_perguntou finalmente diante do longo silêncio quase palpável naquela sala.

_Pretendo dar um tempo. Meu mundo está girando a mil por hora, mas também está extremamente vazio. Estou sem chão, sem norte...arrasado, Felipe. Até  outro dia, eu iria me casar, constituir família, ter filhos...pensa só a loucura que a minha cabeça está agora, Felipe! Nada disso mais vai acontecer...nem esposa, nem família, nem filhos...tudo acabado. Quando ela se levantou ali, dentro do consultório, assim que o médico deu a notícia, foi como se ela tivesse deixado bem claro pra mim: este homem não me serve, você entende? Eu não posso dar um filho pra ela e ela queria a casa cheia de crianças, Felipe! Eu fui descartado como se eu só fosse servir para dar um filho pra ela e aí...e o resto? Nada mais importava pra ela?Quer dizer que eu não sirvo mais pra ser marido dela? Só servia pra ser pai dos filhos dela, Felipe?

Felipe colocou a mão no ombro dele e percebeu que ele começava a chorar inconsolável se sacudindo todo. Não se lembrava de quando vira Luís chorar.

_Ela deixou um buraco enorme na minha vida, cara, e eu não sei o que fazer. Está doendo demais, demais, Felipe!

Felipe puxou o corpo do primo para junto de si ainda com receio, mas percebeu que ele não ofereceu resistência ao deitar em seu colo, intensificando o choro. Encolheu-se no sofá e não rejeitou a mão que Felipe lhe estendeu.

O cabeleireiro decidiu ficar em silêncio e não falar nada.

Não tinha o que falar.



MEU PORTO SEGURO É VOCÊ-Um romance para gays e lésbicas-Armando Scoth LeeWhere stories live. Discover now