Capítulo Catorze

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VICENTE

À medida que eu estudava Milena se deliciar com seu lanche, sentia ainda mais raiva de mim pela maneira como a qual a tratei. Não haveria bacon no mundo que amenizasse meu arrependimento para com ela, ainda que ela parecesse ter deixado isso de lado.

Seus olhos, tão expressivos e simultaneamente doces, não me acusavam de nada. Apenas refletiam o sorriso estampado em seu rosto após saciar sua fome digna de um trabalhador braçal.

Sim, ela come pra caralho.

Milena era do tipo que ficava de mau humor quando estava de estômago vazio. Isso, em conjunto com minha atitude de mais cedo, havia despertado sua ira.

Confesso que não esperava por sua explosão. Logo ela, tão taciturna e introspectiva, vociferando daquele jeito. Mas, diante da minha estupidez, sua fúria veio, e nunca pensei que fosse me sentir tão apreensivo ao assistir aquela garota me virar as costas e marchar bravamente para longe.

É verdade que minha conta bancária estava gorda. Vasconcellos era generoso, no final das contas. Todavia, os números não me importavam em porcaria nenhuma. No decorrer dos dias, eu cuidava de Milena unicamente porque queria protegê-la. Àquela altura, eu julgava que ninguém faria aquele trabalho melhor do que eu, simplesmente porque eu me importava de fato com a integridade daquela menina.

Aquele era o momento em que eu, espantosamente, admitia que não era só um trabalho, como fiz questão de cuspir na cara de Heitor. 

Falando nele, desde que aceitei a proposta do pai, nunca mais falou comigo. Era como se eu fosse um mero desconhecido zanzando com sua irmã para cima e para baixo. O cara me desprezava, e confesso que aquilo me deixava chateado. Todavia, eu me preocupava mais em cuidar de Milena do que com a opinião que Heitor formou sobre mim.

– Porque está tão sério, maninho? – Minha irmã caçula indagou com um leve tom irônico.

– Eu sou sério, pirralha – rebati.

– Mau humor contagia, sabia? Todo mundo precisa sorrir de vez em quando.

Forcei um sorriso para ela, que tenho certeza não ter atingido os olhos.

A dor no meu joelho aquele dia era intensa, e meu desentendimento com Milena ainda rondava minha mente, piorando meu estado de espírito.

– Hoje estou com um pouco de dor – me vi confessando.

A expressão de Catarina mudou no mesmo instante. Eu não gostava de vê-la preocupada comigo. Ela era só uma menina, não precisava daquela carga, nem tampouco sentir-se responsável pelo meu bem estar.

– Você precisa de alguma coisa? Talvez se fizermos uma compressa, como mamãe ensinou...

– Obrigado, Cata – baguncei seus cabelos negros, que ela alinhou no mesmo instante. Eu sabia que aquele gesto de carinho a irritava, mas nunca fui capaz de resistir. – Talvez mais tarde.

Ela sorriu, para então aprumar a postura.

– Então, que tal assistirmos a um filme bem sangrento para animar a tarde? – Minha irmã bateu palminhas de empolgação, e os olhos de Milena brilharam com a possibilidade.

Essas duas estão formando uma dupla e tanto...

– Vocês que mandam – decretei. – Mas antes, precisamos arrumar essa bagunça – apontei para a mesa, onde havia uma quantidade considerável de louça suja.

Mesmo antes de ingressar no exército brasileiro, eu era muito disciplinado por causa do meu pai. Contudo, depois que virei cadete, fiquei ainda mais exigente tratando-se de organização. Catarina, no entanto, era um pouco despreocupada quando o assunto era arrumação e limpeza.

Sob a Mira da PaixãoOnde histórias criam vida. Descubra agora