Sob a Mira da Paixão

Capítulo Trinta e Nove

O desfecho

MILENA

A última visão do meu sonho eram luzes vermelhas e azuis.

Sirenes. 

Sentei-me no colchão e enxuguei a testa suada com a ponta do edredom. Aquele pesadelo me perturbava há anos. Graças a Deus, conforme o tempo foi passando, eles tornaram-se esporádicos.

Era mais uma lembrança do que propriamente um pesadelo. Eu vivi aquilo. Havia aprendido a  controlar meus medos, mas esse trauma dava um jeito de aparecer ora ou outra enquanto eu estava inconsciente.

Eu não sabia exatamente como as coisas tinham acontecido dentro daquela casa horrorosa. Mas, o que veio depois, foi uma tropa de policiais cercando o local. Meu pai indeciso entre gritar comigo e me abraçar. O delegado Novaes tentando manter o controle ao saber que Vicente estava lá dentro. Por minha causa.

Abraçada com meu pai, de uma distância segura, observamos os atiradores de elite se prepararem para invadir sob orientação do delegado. A invasão teria acontecido em segundos, se o Investigador Vidal não tivesse interferido.

– Sem afobação, pessoal. Vou tentar negociar primeiro.

– Não. Você não é especialista – rebateu André, irredutível.

– E você não pode estar envolvido na operação e sabe muito bem disso!

O delegado Novaes virou-se bruscamente para encarar o colega e amigo Flávio Vidal.

– Meu filho está lá dentro! Eu vou invadir essa porra você gostando, ou não. Então é melhor sair do meu caminho e parar de querer bancar o superior. Você ainda é meu subordinado e deve obedecer minhas ordens.

– Foda-se você e seu cargo idiota! Se você der ordem para invadir, pode matar o Vicente e quem mais estiver lá dentro! Nós nem sabemos a real situação, quantos sequestradores são. Precisamos investigar antes de tomar qualquer decisão. EU VOU NEGOCIAR! Já fiz isso antes e devemos seguir o protocolo!

O controle do delegado Novaes estava por um fio, quando Antônio saiu, amparando um Heitor machucado demais para conseguir caminhar sozinho. Meu pai e eu corremos na direção deles, seguidos de um paramédico.

– Graças a Deus! Graças a Deus! – Eu não sabia onde o tocava primeiro, ou se deveria tocá-lo. Minhas mãos e meu queixo tremiam, enquanto as lágrimas involuntárias inundavam minhas bochechas.

Com cuidado, meu pai o abraçou antes de desmoronar.

– Que susto, campeão! Que susto... você está muito machucado. Você...

Então Heitor retribuiu o abraço, me puxando para junto deles e repetindo baixinho que estava bem.  Eu e o tão respeitado juiz Ricardo Vasconcellos precisávamos parar de chorar, mas a emoção de ter meu irmão de volta, vivo, era inenarrável. 

O paramédico nos pediu licença para que pudesse começar a examinar meu irmão, separando-nos cedo demais.

A angústia deveria ter se esvaído com Heitor a salvo, mas meu coração permanecia comprimido. Meus olhos não desgrudavam da direção de onde eles vieram, esperando um Vicente que nunca vinha. 

O delegado Novaes e o Inspetor Vidal aproximaram-se de Antônio, bombardeando-o de perguntas. Nós estávamos a uma distância da qual era impossível ouvir o que diziam, mas pude ver o rapaz gesticular alguma coisa enquanto provavelmente explicava o que se passava lá dentro. Então, o delegado entrou, acompanhado dos demais policiais.

Os minutos em que eles estiveram lá dentro pareceram horas. A mão de meu pai no meu ombro deveria me confortar, mas eu sabia que só ficaria em paz quando Vicente Novaes aparecesse. Eu odiava as atitudes dele, mas estava certa de que não podia viver em um mundo em que ele não existisse. 

Eu segurava a mão de meu pai sobre meu ombro quando o delegado saiu. Atrás dele, uma policial feminina conduzia uma pessoa assustadoramente familiar, chocando-me instantaneamente. Ana Lúcia tinha os olhos inchados, e não foi capaz de sustentar meu olhar perplexo por muito tempo. 

– O que? Mas...

– As suspeitas estavam certas... – ouvi meu pai murmurar. 

– Que suspeitas? Desde quando vocês sabem disso?

Então o Investigador Vidal saiu as pressas, encarregado de prender – fomos saber mais tarde – Renato, o motorista que trabalhava para nós há tantos anos e que achávamos ser de extrema confiança.

Quem chegou até ele foi o próprio Investigador Vidal, através das pesquisas que Vicente havia feito sobre Ana Lúcia. O pai dela, Ruy, havia trabalhado para meu avô, Norberto, e sofrera um acidente de trabalho, do qual foi devidamente indenizado. Ainda assim, a família sentiu-se injustiçada, e foi por isso que Renato, irmão de Ruy, esforçou-se para trabalhar para o meu pai, infiltrando-se em nosso meio e ganhando nossa confiança.

Os pais de Ana Lúcia nunca foram casados perante a lei, e ela utilizava o sobrenome da mãe, dificultando a investigação. 

Renato, embora trabalhasse como motorista, era muito bem pago e proporcionava à Ana Lúcia uma vida boa, incluindo bons estudos.

Vicente não era um investigador, era um oficial. Por isso não foi mais a fundo. No entanto, foi ele quem deu o caminho para que Flávio Vidal chegasse até Renato.

Alívio e gratidão definiam minhas emoções quando Vicente saiu, acompanhado do pai. Dois desconhecidos algemados foram conduzidos por policiais até as viaturas, enquanto eles vinham em nossa direção.

Eu estava pronta para abraçá-lo, agradecê-lo pelo que fez por nós e por manter-se vivo, quando André Novaes começou a gritar.

– VOCÊ É UMA IRRESPONSÁVEL! – A fúria foi direcionada à mim.

– Não fale assim com ela! – Vicente interviu.

– É isso mesmo! Não fale assim com ela! – E meu pai o apoiou.

– A sua filha causou essa situação!

– E o seu filho não só a acobertou, como a apoiou! – Ralhou meu pai de volta.

– Se não fosse pela sua filha...

– Se não fosse pela minha filha, você e seus policiais incompetentes não teriam achado o meu filho até agora! Heitor só está aqui devido a inconsequência dela.

– Ah! Então você admite que ela foi inconsequente?

Eu e Vicente nos entreolhamos, entediados. 

– Tanto quanto seu filho!

– Meu filho foi um cavalheiro, não permitindo que Milena viesse sozinha!

– Ah... claro! Agora imprudência é conhecida como cavalheirismo!

– Você deveria agradecê-lo!

– Por querer bancar o herói? Mas de jeito nenhum!

E foi assim que o dia do fatídico sequestro de Heitor terminou. Com André Novaes e Ricardo Vasconcellos competindo para ver qual de nós havia agido de maneira menos inconsequente.

[...]

Olá, pessu!

Capítulo curtinho para dar o desfecho do sequestro de Heitor.

O que vocês acharam?

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