Capítulo 2

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O resto da tarde passou sem que eu pensasse mais em Anthony ou na punição dada à sua insolência. Eu sabia que ele não gostava de ficar preso no quarto, mas tinha certeza de que acabaria lendo um livro ou mesmo tirando um cochilo.

Não era a primeira vez que o mandava para seu quarto como forma de punição ou de fazê-lo controlar seu gênio. Nunca por um período de tempo tão grande, é verdade; no entanto, como o limite do castigo (a hora do jantar) era claro, eu não pensei mais naquilo. As gracinhas de Daphne e Colin (que não parava quieto um minuto!) e as descobertas de Benedict em relação às palavras – estava aprendendo a ler – ocuparam minha tarde e contribuíram para que eu me distraísse. Quando dei por mim, estava quase na hora do jantar.

Eu podia ter pedido que alguém fosse chamar Anthony em seu quarto. Considerando, porém, que aquilo era um castigo, decidi eu mesma subir e dar por oficialmente terminado seu período de reclusão. Com ambos mais calmos, eu conversaria com ele sobre o acontecido, chamaria sua atenção e tudo terminaria bem. Como tinha de ser.

Quando abri a porta do quarto, o cômodo estava quase às escuras. A luz do fim de tarde permitia, no entanto, que eu percebesse um vulto deitado na cama, enrolado nas cobertas. Por um momento, senti uma pontada de culpa em fazer com que um menino de oito anos, saudável, cheio de vida, tivesse de passar uma bela tarde de verão trancado no quarto. Mas me lembrei de sua expressão atrevida quando se dirigiu a mim mais cedo, e sosseguei. Toquei-o com suavidade.

— Anthony...

Havia alguma coisa errada. Ele estava mole demais. Como... Como um travesseiro!

Dei um puxão nas cobertas, confirmando o que eu já desconfiava: meu filho de oito anos havia me passado para trás e desrespeitado minhas ordens: ele não estava no quarto!

Sentei no escuro e aguardei. Não demorou muito para que a janela se abrisse. Eu havia chegado a considerar trancá-la, mas tive medo de que, ao fazer isso, ele caísse da árvore que lhe dava acesso ao quarto. Por isso, deixei tudo como estava e fiquei à espera.

Minha raiva era tanta que somente uma pequena parte de mim conseguiu ficar aliviada por vê-lo de volta inteiro, já que eu tinha quase certeza de que Anthony havia saído para cavalgar sozinho. Antes que, no escuro, ele começasse a desfazer o cenário montado para enganar quem abrisse a porta do quarto, eu o peguei pelo braço. Foi com tanta força que tenho certeza de que a marca das minhas unhas ficaram cravadas nele.

— Onde você estava, Anthony?

Ele estremeceu. De leve, mas estremeceu.

—Mãe?... O que a senhora está fazendo aqui?

—Onde você estava?

— E-eu... Eu estava...

Ele nunca gaguejava e quase nunca titubeava. Era raro exibir momentos de insegurança. Apertei mais ainda seu braço e aquilo, em vez de intimidá-lo, pareceu dar forças para que ele conseguisse responder, altivo:

— Eu fui dar uma volta a cavalo.

— Ou seja, conseguiu me desobedecer duas vezes: saindo do castigo e fazendo exatamente o que eu falei que você não podia fazer!

— A senhora pode soltar meu braço? Está me machucando!

Eu o apertei ainda mais, se é que era possível, e comecei a chacoalhá-lo. Nunca fiquei tão furiosa com um filho como naquele momento.

—Não, eu não posso soltar você! Venha comigo agora e não ouse me desobedecer, Anthony Bridgerton!

Comecei a arrastá-lo comigo escada abaixo. Alguma coisa no meu tom de voz fez com que ele não criasse nenhuma resistência e me acompanhasse até o escritório de Edmund, onde eu o sentei na cadeira como se fosse um boneco de trapos.

Anthony não dizia uma palavra, apenas acompanhava meus movimentos com os olhos castanhos arregalados.

Trêmula de fúria, eu peguei um livro com as folhas em branco, tinta e uma caneta, colocando tudo na frente dele.

— Você vai escrever cem... Não, cem é pouco! Você vai escrever mil vezes que deve respeitar e obedecer a sua mãe!

Os lábios dele se entreabriram surpresos. As mãos não esboçaram nenhum movimento. Por isso, abri o livro, molhei a caneta na tinta e coloquei-a na mão dele.

— Ande, pode começar!

Não houve lágrimas, protestos ou pedidos de desculpas. Ele apenas pegou a pena e começou a escrever, repetidamente, de forma organizada:

1 - Devo respeitar e obedecer a minha mãe.

2 - Devo respeitar e obedecer a minha mãe.

3 - Devo respeitar e obedecer a minha mãe.

—Voltarei mais tarde — declarei. — E é bom que você esteja aqui quando eu passar por aquela porta.

Ele não ergueu os olhos do papel.


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