Capítulo 3

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Não preciso dizer que perdi o apetite. Ainda estava zangada com Anthony. Mas estava quase tão zangada comigo mesma por ter me deixado dominar pela fúria daquela forma.

Edmund nunca tinha problemas com nosso filho mais velho. E não é porque Anthony não testasse os limites com o pai. Ele o fazia, é claro, como todas as crianças fazem. Principalmente uma criança que sabe que herdará um título de nobreza, propriedades e poder. Mas meu marido era muito mais habilidoso do que eu em contornar essas situações.

Pela altura da sobremesa, eu já me sentia a pior mãe do mundo. Pedi que a babá colocasse Benedict e Colin para dormir (Daphne já estava em seu berço há algum tempo) e abri, devagar, a porta do escritório.

Anthony continuava no mesmo lugar que eu havia deixado. Era como se tivesse sido congelado ali. Eu não tinha percebido antes, mas seus pés mal tocavam o chão. A escrivaninha de mogno também ainda era grande demais para ele.

Olhei por cima do seu ombro. A numeração das frases repetidas se aproximava do número 100. Era óbvio que ele não terminaria tão cedo. Sem contar que desde a hora do almoço ele não bebia ou comia nada. Devia estar faminto e com sede.

Eu sabia que não podia voltar atrás no castigo. Infelizmente, ele teria que escrever, mil vezes, que deveria me respeitar e obedecer. Mas eu poderia temperá-lo com alguma clemência. E foi o que resolvi fazer.

— Anthony.

Ele parou de escrever, mas manteve os olhos baixos, fixos nas páginas do livro que começavam a ficar cobertas com sua caligrafia infantil. Estava esperando calado, mas ainda havia no ar um clima de desafio. Sempre havia.

—Já é tarde — observei, sentindo-me magnânima. —Você pode parar por hoje e comer alguma coisa. Amanhã você continuará a escrever.

—Não estou com fome — foi a resposta dele, em um tom de voz baixo, suave até demais, mas firme.

— Você não come nada desde o almoço. Deve estar com fome.

—Não estou.

—Então, vá se deitar.

— A senhora mandou que eu escrevesse mil vezes para respeitá-la e obedecê-la. Ainda não terminei.

Tive de me segurar para não gritar com ele. Anthony conseguia me desafiar mesmo quando obedecia as minhas ordens. Era enlouquecedor!

Cuidadosamente, respondi:

—Está bem. Escreva até quando quiser. Só quero que saiba que tem minha permissão para continuar a tarefa amanhã.

Ele assentiu sem me dar nenhuma pista do que realmente pretendia fazer. Segurei minha vontade de lhe dar um beijo de boa-noite (não me pareceu adequado fazer isso durante um castigo) e fui me deitar.

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