Capítulo 6

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De fato, fosse o que Anthony tivesse ido fazer no lago, não foi demorado. Ele logo voltou e se juntou aos irmãos na sala onde brincavam. Enfileirou soldados de chumbo com Benedict, jogou bola com Colin e escondeu objetos atrás das almofadas para Daphne encontrar.

Nós jantamos e coloquei as crianças na cama, sempre na ordem inversa na qual nasceram. Quando chegou a vez de Anthony, ele estava quase dormindo. Efeito da noite em claro, pois quase sempre estava bem acordado a essa hora. Ajeitei as cobertas ao redor dele e beijei sua testa.

— Boa-noite, meu filho. Durma bem.

— Boa-noite, mamãe.

Nenhum pedido de desculpas. Ele não era fácil. Mas não havia aquele ar de desafio nem em sua voz, nem em seu rosto. Contentei-me com isso e deixei o quarto, carregando comigo a vela que me acompanhara no que Edmund chamava de minha "ronda noturna".

Quando cheguei ao meu quarto, fui surpreendida por um ramalhete de flores em cima da cama. Estava amarrado de forma meio desajeitada com uma fita, mas pareceu o buquê mais bonito do mundo para mim. Primeiro, porque reconheci as flores que cresciam próximas ao lago. E, depois, porque havia com elas um cartão, onde estava escrito, com uma letra caprichada:

Mamãe

Não quis trair sua confiança. Eu irei sempre proteger e amar você. Perdoe-me.

Anthony

P.S.: A senhora ainda me ama?

Alguma coisa dentro de mim se revirou, como se eu tivesse levado um soco no estômago. Doía que um filho meu pudesse pensar que eu deixaria de amá-lo, ou o amaria menos. Eu podia amá-los de forma diferente, pois eles eram diferentes uns dos outros, mas amar menos? Nunca!

Voltei ao quarto de Anthony e puxei-o para mim, sem me incomodar que ele já estivesse dormindo. Tonto de sono, ele apenas entreabriu os olhos e murmurou:

— Mamãe?... O que foi que eu fiz dessa vez?

Tive que rir, apertando-o em meus braços e beijando seus cabelos.

— Nada, meu filho. Você não fez nada. Eu só não pude esperar até amanhã para agradecer as flores.

Ele esfregou os olhos, esboçando um sorriso.

—A senhora gostou?

—Muito. Obrigada por elas. E por seu pedido de desculpas.

— Então, eu estou perdoado?

— Está. Mas eu espero que não faça de novo.

— Não farei — ele assegurou, desvencilhando-se do meu abraço para me fitar nos olhos.

Não consegui saber ao certo o que ele não faria mais, mas como domar Anthony (o termo era exatamente esse) não era tarefa fácil, deixei passar. Qualquer coisa que eu conseguisse, fosse me obedecer, não me enganar ou mesmo não andar a cavalo sozinho estava bom. No entanto, ele ainda precisava saber do mais importante:

— Está bem, querido. Pode voltar a dormir. Eu só queria que você soubesse de uma última coisa... Ou melhor, de duas.

Ele inclinou o rosto para o lado, os olhos castanhos cheios de curiosidade.

— O que é, mamãe?

Peguei a mão dele entre as minhas.

— A primeira delas é que eu sempre amarei você. Mesmo quando sua mão for muito maior que a minha.

Ele fitou nossas mãos entrelaçadas, achando graça. Parecia uma meta quase impossível, mas ele sabia que um dia isso aconteceria.

— E a outra?

— A outra é que, para seu azar, o meu amor por você se manifesta de uma forma ainda maior e mais forte justamente quando eu estou chamando sua atenção ou puxando suas orelhas.

Ele levou as mãos às orelhas, em parte por instinto, em parte por brincadeira. Nós dois começamos a rir. Finalmente, acomodei-o de novo nos travesseiros e puxei as cobertas. Foi quando ele me surpreendeu com um pedido:

— Conta uma história?

—Eu?

— Quem me fez perder o sono?

— Está bem. Mas depois não reclame. Era uma vez...

— É história de cavaleiros?

—Não.

— De piratas?

—Não.

—Não me venha com história de meninas!

—Quem pediu a história, afinal de contas? Além disso, eu conheço histórias feitas para serem contadas a pessoas. Qualquer uma. Não sei o que o senhor entende por "história de meninas".

Ele sorriu. E o sorriso permaneceu em seu rosto mesmo ao perceber que vinha pela frente um conto de fadas.

— Era uma vez, em um país distante, um jovem príncipe, que vivia em um reluzente castelo. Embora tivesse tudo que quisesse, o príncipe era orgulhoso e arrogante...

— Gosto desse príncipe — afirmou Anthony, com um leve tom zombeteiro na voz. — Mas na outra vez em que ouvi essa história, ele era mimado e egoísta.

— Pois na minha versão, esse príncipe é arrogante, orgulhoso, muito, muito teimoso e gosta de provocar a mãe dele! — devolvi, fazendo cócegas em sua barriga.

Ele caiu na gargalhada. Foi tão sonora que teve de esconder o rosto no travesseiro para abafar o barulho. Eu mesma tive de fazer força para conter o riso enquanto ralhava com meu filho, de um jeito que parecia severo, mas estava longe disso.

— Shshshsh! Quer acordar seus irmãos?

— Não. Hoje, a história é só para mim. Continue, mamãe.

— Bem, onde eu estava mesmo?

— Vai começar a tempestade. Eu gosto de tempestades.

— E eu não sei? Você nasceu no meio de uma. Era final de verão... Cada raio de arrepiar...

Fui baixando a voz para acalmá-lo. Ele dobrou o travesseiro em dois, ajeitando-se como gostava. E eu pude seguir adiante:

— Em uma noite de tempestade, uma velha mendiga veio ao castelo e ofereceu a ele uma simples rosa, em troca de abrigo para o frio. Repugnado pela aparência dela, o príncipe zombou da oferta e mandou-a embora. Porém, ela o aconselhou a não se deixar enganar pelas aparências e, quando ele voltou a expulsá-la, ela se transformou em uma linda feiticeira. O príncipe tentou se desculpar, mas era tarde demais, pois ela percebeu que não havia amor no coração dele. Como castigo, a feiticeira o transformou em uma fera horrenda...

Anthony acompanhou a história com interesse, mas o sono tomou conta dele ao final da narrativa. Fiquei com pena que ele não estivesse acordado para conferir a transformação da fera em príncipe.

Lamentei também que esse momento tenha acabado. Afinal, talvez tenha sido a última oportunidade que tive de lhe contar uma história antes que ele crescesse ainda mais e começasse a me escapar pelos dedos, como já estava fazendo. Mas algo me diz que meu príncipe arrogante e orgulhoso ainda descobriria o final dessa história sozinho... Ou com a ajuda de uma princesa muito, muito determinada que pudesse enfrentá-lo e, ao mesmo tempo, amá-lo. Por hora, a única certeza que tinha é que eu sempre amaria o menino e, mais tarde, o homem que havia debaixo dessa fera.

Mil vezesWhere stories live. Discover now