Prólogo

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1889, casa de campo dos Wheaterly em algum lugar no condado de Kent, Inglaterra.

Isabelle Wheaterly brincava na beira do riacho que passava no jardim posterior da casa de campo de sua família. Na verdade, a paisagem era mais selvagem que um jardim. Arbustos grandes de mato grosseiro cresciam sem parar, a grama era alta e um riacho derramava-se em grades pedaços de pedra. Além disso, não havia nenhum tipo de flor, nem sinais do bom tratamento que o jardim dianteiro recebia.

Isabelle havia tirado os sapatos e as meias e subido um pouco os calções que usava. Longe da cidade a mãe permitia deixar os vestidos de lado por um tempo.
Ela se sentou na grama áspera e enfiou os pézinhos branquelos e gordinhos dentro da água. Ela estremeceu de frio por um momento antes de se acostumar.

Isabelle adorava as férias de verão, pois era tradição que a família ficasse pelo menos quinze dias na casa de campo e não havia nada que ela gostasse mais do que a casa de campo. Era como finalmente ser solta de uma gaiola depois ficar meses presa. Era assim que ela se sentia vivendo em Londres; presa.
A grande sociedade vivia na cidade. Londres, a sempre agitada Londres. Isabelle não compreendia porque o pai decidira viver lá, já que tinha uma casa tão aconchegante e bonita em Kent. Era loucura trocar a tranquilidade do campo pela cacofonia que era a cidade. Além disso, Isabelle odiava usar todas aquelas peças de roupas. Vestidos em cima de vestidos, e chapéus cheios de acessórios. Odiava também os chás à que era obrigada a comparecer e o esforço que tinha de fazer para ser educada com todas as senhoras. Isabelle não entendia porque as crianças também tinham que se esforçar tanto.

Na casa de campo era diferente. Ela podia andar de calções ou vestidos mais leves, podia tirar os sapatos de vez em quando, podia sair e brincar sem se preocupar se estava sendo desajeitada ou não. A mulher do caseiro, a Sra.Styles, recebia-os sempre com scones deliciosos recheados com geleia de morango e chá. Isabelle considerava estes os melhores scones de todos.
Depois ela tinha que esperar um pouco até que o pai, o Sr.Wheaterly, fizesse toda uma cerimônia com perguntas ao caseiro. Quantas vezes havia cortado a grama. Se estava regando as flores da Sra. Wheaterly direito. Quantas vezes haviam tirado o pó dos móveis da casa.
O Sr. Styles era paciente, até sorria mesmo que as perguntas do dono da casa não acabassem nunca. Era um homem dedicado á não perder o emprego que lhe garantia boas condições de vida, mesmo que pertencesse a classe trabalhadora.
Então quando acabavam as perguntas e o pai se retirava, Isabelle pedia permissão para ir brincar, ao que a mãe cansada concedia sem problemas.

Ela corria até aquele riacho e finalmente tirava os pés cansados de dentro dos sapatos. Ela sempre se sentia no ápice da felicidade nestes momentos de redescoberta. Redescobria que amava a vida no campo.

Havia outra coisa que também fazia Isabelle saltitar de animação. Ou melhor, havia alguém.
Harry, o filho do caseiro, era o que Isabelle considerava como seu melhor amigo. Embora odiasse brincar com garotos, como os primos que passavam mais tempo fazendo-a correr atrás da bola do que jogando com eles, Isabelle achava Harry divertido. Desde o dia em que o conhecera ele tentava fazê-la rir.

Ela tinha três anos e ele cinco na época, e embora ela mal pudesse falar ele sentara-se e brincara com ela em uma sala, enquanto os adultos conversavam em outra.
Desde então haviam se visto uma ou duas vezes todos os anos. Isabelle achava que eles estavam crescendo juntos, pois toda vez que voltava Harry parecia diferente; mais alto, as vezes mais magro. E Harry também dizia que ela estava sempre diferente.

Naquele verão ele tinha acabado de completar dez anos e Isabelle não sabia o que esperar. Ele estava passando de uma fase para outra, a mãe dela havia dito, talvez algumas coisas mudassem. Mas ela não queria que mudassem. Gostava de passar o verão inteiro com Harry, brincando e explorando os arredores da casa de campo.

No entanto, ela já tinha chegado há horas e Harry ainda não estava esperando-a no riacho onde sempre esperava. Os Styles moravam em uma cabana do lado de lá do riacho, escondida por muitas árvores. Uma trilha curta de folhas secas levavam até a casa. Isabelle achara estranho que Harry ainda não estivesse ali.

Ela se inclinou para a frente e tocou a água fria com a ponta dos dedos. A luz do sol ainda não alcançara aquele ponto, mas estava próximo, a grama ao redor já brilhava com o reflexo.
Um barulho crocante fez ela se levantar novamente. Harry descia a trilha com os sapatos pretos esmagando as folhas secas. Ele se aproximou com a expressão neutra, mas sorriu quando chegou mais perto.

Isabelle achava que ele tinha crescido, mas só um pouquinho mais desde a última vez que o vira. Estava mais magro com certeza, e o cabelo parecia mais cheio.
Harry deixou os sapatos e as meias pelo  caminho e se sentou ao lado dela, com os pés tocando a água.

- É ótimo te ver, Isabelle.

- Olá, Harry. - a garota sorriu abertamente, mostrando todos os dentes de leite, até o buraco que um deles havia deixado quando caiu há alguns dias.

- Como você está?

- Estava doida para voltar para cá.

Ela esticou os braço para trás deixando a luz do sol tocar seu rosto. O cabelo castanho roçou-lhe o pescoço, ela desejou que a mãe prendesse-o para ela.

- O que você fez durante esse tempo?

- Fui á escola. - a garota bufou - Eu preferiria estudar em casa. A professora é má de vez em quando.

Harry ficou quieto. Não sabia o que responder. Como poderia dizer que compreendia ou que achava que ir à escola deveria ser mesmo horrível, se na verdade ele adoraria ter tido a oportunidade de estudar por mais alguns anos?
Isabelle achava ruim, e ele sabia que não era por mal, mas ela não sabia a sorte que tinha. Com completos dez anos agora ele já tinha terminado os estudos. Mesmo que a lei da educação pública só tivesse sido decretada a pouco tempo pela rainha ele não tinha como repor os anos que perdera. Afinal, ele ainda era pobre e tinha que ajudar no trabalho. O fato de que ele sabia ler e escrever não o tornava diferente dos pais que não sabiam. Harry estudara por dois anos e queria mais. Sabia que tinha muito mais para aprender.

Ao invés de compartilhar seus pensamentos, Harry apenas mudou de assunto:

- Estou feliz em te ver novamente.

- Senti saudades também, Harry.

Isabelle se aproximou mais deitou a cabeça no ombro de Harry. Quando ele era mais novo não via problema nisso, nestes toques inocentes de criança. Afinal eles encostavam um no outro o tempo todo enquanto brincavam. No entanto, o Sr. Styles tinha sido muito claro ao dizer que Harry tinha que começar a reconhecer seus limites. -
Não é respeitoso com as moças. Seu pai havia dito.

E de fato, ele não via qualquer tipo de contato entre os adultos. Seus pais quase não se tocavam e o Sr e a Sra.Wheaterly mal olhavam um para o outro quando estavam todos reunidos.
Harry entendia porque isso começaria a aparecer estranho em alguns anos, mas não se esquivou da garota naquele momento.
Apenas rodeou os ombros dela com os braços finos e eles ficaram olhando para a água que refletia a luz do sol, até que Isabelle decidiu que estava na hora de começarem a brincar.

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Mistery of Love - H.SWhere stories live. Discover now