capítulo 5

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Loyenn correu os olhos pela sala. O semblante frio, meticulosamente esculpido, não mostrava vestígios de empatia. Ela parecia morta em sua postura reta, com as mãos juntas diante de si.

E todo mundo parecia notar isso, porque até as respirações ficaram mais silenciosas. Claire e eu nos entreolhamos rápido.

— Crianças... — Ela nos fitou séria, percorrendo com o olhar cada rosto daquele semicírculo. — Eu preciso contar uma história. A sua história. E eu odeio dizer isso, mas é uma história difícil, triste e que provavelmente partirá seus corações.

Engoli em seco.

— Apesar disso, eu preciso ser honesta com vocês, porque é como arrancar um espinho da carne. Se puxarmos devagar, dói mais. Então a gente precisa puxar o espinho o mais rápido possível e torcer para que a dor passe e a ferida se cure com o tempo.

Oh, não...

Por alguns segundos, ninguém disse nada. Eu podia sentir minha pulsação na garganta, a expectativa como um punhado de neve no estômago.

— Era uma vez... — Loyenn ergueu o queixo. — Um mundo chamado Terra.

Terra. Um arrepio percorreu meus braços. Eu conhecia aquele nome.

Loyenn fez um gesto no ar com as duas mãos, como se desenhasse um arco-íris, e, no mesmo instante, uma projeção apareceu diante dela. Só que não era um arco de cores, e sim um planeta azul.

Eu me inclinei para frente na cadeira. As cores vívidas e o movimento das nuvens daquele planeta me eram tão estranhamente familiares quanto o nome do lugar. Quanto meu próprio nome.

— A Terra foi criada para ser o lar dos humanos. É o único planeta habitável da primeira dimensão, complexa e magnífica em cada pedacinho de sua natureza. Não é um mundo perfeito, embora tivesse sido no princípio.

Loyenn começou a andar pela sala, com as mãos nas costas.

— O mal já havia contaminado tudo o que era vivo e se alastrado por todo o planeta quando a humanidade começou a definir o que era vida; a determinar quem nasceria ou não. E, assim, eles violaram a mais sagrada lei da natureza: a lei de que todo mundo merece a chance de lutar, de viver, de tentar. E fizeram escolhas que não cabiam a eles escolher. Eles partiram o coração dos Fundadores do Universo e mancharam a Terra com o sangue de inocentes. E isso durou por muitos anos. — Ela parou de andar. — Até que os Fundadores criaram um caminho para as almas perdidas, uma trilha que levava para a Terra do Nunca, a fim de que ela fosse a segunda chance daqueles que não tiveram nenhuma.

Com o movimento rápido de uma mão, Loyenn mudou a imagem projetada. Ainda era um planeta azul, só que menor.

— Terra do Nunca. Um planeta habitável da terceira dimensão, cheio de magia e criaturas mágicas, implacável, inóspito, extraordinário. E, agora, o seu lar.

Recostei-me na cadeira.

— É por isso que vocês estão aqui. Porque toda alma que é arrancada do planeta Terra contra a natureza viaja para a Terra do Nunca, e a criança Desperta na Lagoa da Vida com nove anos de idade. Você não possui memória porque não há nada para ser lembrado.

O silêncio da sala foi quebrado pelo nosso burburinho.

— Espera um pouco — disse Josh, acima do barulho. — O quê?!

Nada ali era engraçado, mas a forma como ele disse aquilo quase me fez cair na risada. Fechei a boca bem a tempo.

Loyenn, porém, não pareceu se ofender pelo tom de "moça, eu não entendi nada". Ela continuava com a mesma expressão de estátua, a voz grave e serena.

— Quero dizer que os seus pais quebraram seu ciclo natural de vida. Você não nasceu na Terra, por isso está aqui.

— E como eu sei se você tá falando a verdade? — alguém perguntou.

— Há uma razão pela qual é uma fada contando essa história para vocês. Nós somos biologicamente incapazes de mentir. Mas, caso isso não o convença, os Fundadores plantaram a semente das Verdades Eternas em seus corações. Por isso, lá no fundo, você sabe que eu não estou mentindo.

Aquilo era o pior de tudo. Eu odiava a forma como Loyenn falava palavras difíceis e eu as entendia mesmo assim. Odiava como ela não demonstrava emoções, como dizia tudo sem tentar amenizar os fatos e, mais ainda, como meu coração sabia que era tudo verdade.

— Mas por que meus pais fariam isso? — Claire cruzou os braços.

A fada não respondeu de imediato. Todos os olhares estavam sobre ela, ansiosos, enquanto ela olhava para frente, para ninguém em especial, como se estivesse esperando por essa pergunta.

— Nós nunca saberemos o motivo de uma pessoa quebrar o ciclo natural da outra e interromper a vida do próprio filho. Tudo o que sabemos é que não é sua culpa, você não merecia ser banido. Todos vocês são importantes, tão preciosos que os Fundadores criaram esse caminho para que tivessem uma chance de viver. Então nunca duvidem do seu valor.

Senti os músculos do meu rosto endurecerem.

— Sério? — eu disse com a voz trêmula. — Se eu não fiz nada errado, se eu sou especial, então por que eu tô aqui? Por que não me quiseram?!

Por alguns instantes, houve silêncio. Loyenn já tinha respondido a essa pergunta e não a responderia de novo.

— Não é justo — Claire sussurrou.

— A vida raramente é.

Encarei a fada, minhas bochechas queimando.

— Então eles rejeitaram a gente — disse uma pessoa. — E agora? O que vamos fazer?

Loyenn dispensou a projeção com um estalar de dedos e voltou a cruzar as mãos diante de si.

— Agora é seguir em frente. Você recebeu uma nova chance, faça-a valer a pena.

Apoiei a cabeça numa mão, porque estava com tanta raiva que dali a pouco começaria a chorar. Mas eu não queria chorar. Não queria sentir a falta deles da forma como estava sentindo, não queria sentir medo, não queria sentir vontade de receber um abraço de pai e mãe, não queria precisar deles. Se eles não me queriam, eu também não iria querê-los.

— Fiquem aqui, daqui a pouco alguns professores virão buscá-los. Eles vão explicar a vocês como as Crianças Perdidas funcionam.

Aquilo fez meu coração doer e as lágrimas descerem. Eu não olhava para os lados; só queria me esconder debaixo de um cobertor e fingir que estava tudo bem, que eu estava em outro lugar, qualquer lugar.

Somente anos depois eu entendi que Loyenn estava errada. Contar-nos a verdade naquele dia não tinha arrancado o tal espinho, ele continuaria cravado em minha alma por muito tempo.

Ninguém era capaz de arrancá-lo.

Exceto uma pessoa.

Se Pudesse Contar as EstrelasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora