capítulo 6

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Uma por uma, as crianças saíram da sala, acompanhas por professores. Fiquei por último, sozinha na sala.

— Olá! Alison, não é? Meu nome é Mary, sou professora de Sobrevivência Básica. Me perdoe pelo atraso, eu... Oh.

Ergui os olhos para ela.

— Seu... hã... O que houve com o seu vestido?

Acho que eu teria rido da expressão de Mary mordendo um dedo na boca — quero dizer, se eu não estivesse me sentindo tão mal.

— Tá bom, er... — Ela coçou o cabelo preto ondulado. — Vou buscar um uniforme para você no almoxarifado, pode ser? Acho que não vai ser interessante fazermos um tour assim. Melhor deixar o pijama só para a hora de dormir.

Em vez de rir da piada, eu abaixei a cabeça, assentindo. Escutei quando ela saiu da sala e voltei a erguer os olhos. Só agora eu notava um quadro-negro no interior da sala, que tinha BEM-VINDOS escrito com florzinhas desenhadas ao redor. Meu corpo tremeu pela tentativa de segurar o choro.

Apoiando os cotovelos na mesa, afundei a cabeça nas duas mãos. Não conseguia acreditar que estava sozinha no mundo. Que eles não me quiseram. Que não tinham feito questão nem de tentar. Por que eu? Por que não eu?

Comecei a enxugar as lágrimas com força.

O pior de tudo era que, sem memória, eu não tinha nem a mim mesma.

— Prontinho. Vamos lá?

Se Mary notou meu rosto molhado, não comentou.

Saímos pelo corredor e caminhamos por ele até sairmos numa pequena porta lateral. Depois de atravessarmos uma parte gramada, entramos no menor prédio do bloco, no qual subimos vários lances de escada. Por fim, Mary tirou uma chave do molho que carregava e abriu a porta.

O dormitório era um pouco parecido com o da Vila Fênix, com a diferença de ser menor. Pela janela, dava para ver boa parte do enorme campus: os vários conjuntos de prédios, a muralha cercando o terreno e até uma pequena floresta.

— Quer ajuda?

Anuí.

Tirei a camisola, vesti a saia comprida e coloquei a blusa de manga longa. Todo o uniforme era em tons de azul-claro e azul-escuro, com alguns detalhes em vermelho. Enquanto ela fechava os botões de trás da blusa, comentei baixinho:

— Eu acho que me lembro do planeta Terra.

— Não, querida. Você não se lembra dele, mas, quando Loyenn mencionou o nome, você reconheceu.

— Não é a mesma coisa?

— Você não pode se lembrar de algo que nunca viu nem viveu. Mas, quando as crianças Despertam aqui, elas sabem tudo aquilo que uma criança de nove anos conheceria em sua região do planeta Terra. É por isso que você sabe andar, falar, ler e tudo o mais.

Lembrei-me da sensação que tive quando escutei minha voz, andei e comi pela primeira vez. Cada experiência tinha sido diferente.

— Isso é bem confuso.

Ao terminar com os botões, Mary pegou a escova na gaveta da mesinha de cabeceira e explicou, enquanto penteava meu cabelo:

— Você vai entender melhor agora. Sabe o que é um espelho?

Fiz uma careta.

— É claro que eu sei o que é um espelho.

— Então me diga qual é a cor dos seus olhos.

Abri a boca pronta para responder e... parei. Oh, céus.

Virei-me de frente para ela.

— Você não sabe porque nunca se viu em um espelho. Toda criança sabe o que é um espelho; mas, para saber qual é a sua aparência, você precisa se ver em um. Ou seja: é necessária uma lembrança, não um conhecimento.

Peguei uma mecha do cabelo recém-penteado e observei sua cor: louro-escuro, quase castanho-claro. Naquele tempo todo, eu estivera tão preocupada com não me lembrar das coisas que nem tinha percebido esse detalhe. Eu não conhecia a minha aparência? Deus meu.

— Gostaria de se ver no espelho?

Dei de ombros, sem tirar os olhos da mecha. E se eu não gostasse de mim?

— Alison. — Ergui os olhos para Mary. — É importante que você se veja. Isso ajuda no processo de superar a falta de memória, de se autoconhecer. E se quiser conversar, eu estou aqui.

Ela devolveu a escova à gaveta e pegou um objeto oval metálico. Enquanto isso, aproveitei para enxugar o suor das mãos no vestido. Mary me entregou o espelho virado para baixo. Respirei fundo antes de virá-lo com todo o cuidado do mundo.

Eu estava com os olhos meio arregalados, a boca entreaberta. Ver aquela expressão de susto misturado com cautela me fez rir, e eu adorei meu sorriso.

Minha primeira impressão de mim mesma foi que eu era uma garota bonita e simpática. Os olhos tinham uma cor difícil de definir, parecia mato seco — se bem que, dizendo assim, não soa muito bonito. O verde do outono. Pronto, melhor assim.

Lembro que adorei os cílios compridos e a sobrancelha delineada; eles me faziam parecer forte. Toquei no nariz delicado, desci os dedos pelas bochechas rosadas e acariciei o queixo com sua covinha. Subi a mão para os cabelos macios. A franjinha rala me deixava bem menina.

O que mais gostei em mim, no entanto, foi definitivamente o sorriso. E, naquele momento, não pude deixar de pensar: "Será que me pareço com o papai ou com a mamãe?". O sorriso se apagou.

— Não pense nisso. — Mary pegou o espelho de volta e o colocou em cima da cama.

— Nisso o quê?

Ela olhou pra mim.

— Neles.

Senti meu coração apertar. A professora respirou fundo, ajoelhando-se ao meu lado.

— Olha, eu sei que hoje parece impossível, mas eu prometo pra você que fica melhor, tá? Você vai ser feliz aqui.

Era difícil acreditarnisso.

Se Pudesse Contar as EstrelasWhere stories live. Discover now