14 - Neon Genesis Evangelion e a Necessidade de um Herói

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Neon Genesis Evangelion foi uma das abras de ficção mais marcantes que eu consumi durante esta minha vida. Assisti ao anime há mais ou menos 2 anos. Depois de testemunhar o seu final, fiquei umas duas semanas pensando muito sobre o mar de assuntos que este continha e, mesmo agora, ele ainda gera pensamentos em mim e, de certa forma, me inspira. Não é por nada que uma grande quantidade de fãs ainda discute sobre determinados temas abordados dentro do anime, mesmo que façam 23 anos desde que foi lançado.

O mundo em que toda a história se passa possui diversos mistérios, os quais o anime não faz tanta questão de abordar a fundo, o que naturalmente levou a especulação e a criação de teorias acerca das pistas deixadas – e com o remake que não é remake, o Rebuild of Evangelion, os mistérios e as teorias devem estar atingindo a altura do Cristo. Mas não foram os segredos e enigmas desse mundo dolorido que me chamaram a atenção e me fizeram ver até o fim o que no começo me pareceu maçante. O que me levou a isso foram os personagens.

Nunca consegui me relacionar tanto com um personagem como me relacionei com Ikari Shinji, o personagem principal da série, e com toda certeza irei rever esse camarada num futuro não muito distante. No entanto, ao ouvir um podcast sobre o anime, pouco tempo depois de ter terminado de assisti-lo, me deparei com um dos participantes do programa dizendo que detestava o personagem, e me dei conta de que esta podia ser a opinião de muitos outros que assistiram a Evangelion. Eu não os condeno ao sofrimento eterno por isso – na verdade, eu os entendo.

Os admiradores das animações nipônicas devem estar acostumados com pessoas de 13 a 16 anos correndo por aí com armaduras para matar deuses, ou, sendo mais geral, com adolescentes ou jovens adultos sorridentes com cabelos e roupas coloridas que saem gritando e vão para a porrada. Está bem, eu sei que as animações não se resumem a isso, mas deixe que eu as reduza a isso para chegar ao meu ponto. A questão é que em Eva, as coisas são diferentes, excruciantemente diferentes. Aqui, temos um garoto de 14 anos que é chamado pelo pai que o abandonou na infância para, pelo que parece – e as aparências esfaqueiam pelas costas e cortam gargantas –, impedir o fim do mundo pelas mãos de seres bizarros gigantes, pilotando uma bizarrice humanoide gigante. Agora, esqueçamos os protagonistas de anime e mangá comuns e coloquemos no lugar um pré-adolescente real, complexado e melancólico. O que podemos supor, nesse ambiente fantástico e caótico, que aconteceria?

Podemos responder que ao menos não veremos um jovem superpoderoso apanhando simplesmente pelo amor ou pela força da amizade.

Ikari Shinji, ao contrário, é alguém fraco.

Algumas horas é egoísta e imprudente, outras horas é um covarde (situação também acompanhada de egoísmo). Tem problemas em se abrir para os outros, embora queira muito se sentir querido e amado. É um medroso para consigo mesmo, em relação as pessoas que o cercam, é medroso para com o mundo. E, mesmo que determinadas vezes demonstre fagulhas de coragem, ainda pode vir a ser detestado.

Mas, por quê?

Nos dias atuais estamos rodeados de super-heróis, principalmente no cinema. Estes são guerreiros musculosos ou guerreiras destemidas que sempre irão triunfar contra o mal e salvar o dia – e o próximo roubo, e o próximo marasmo, e o próximo assassinato, e o próximo suicídio – não importa o quanto doa. É quase o mesmo do que foi dito dos tipos comuns de protagonistas encontrados em animes, delineados alguns parágrafos acima. E isso é legal, até um ponto. Obras desse tipo inspiram pessoas, as animam, as fazem ter coragem. Eu mesmo agradeço até hoje ao Shiryu por ter me ensinado o valor da amizade. No entanto, percebo que esses produtos servem também como uma rota de fuga da realidade. Geralmente, tais obras mostram um conflito entre dois lados, o clássico bem x mal, e mesmo que o mal tenha os seus motivos e um rosto mais parecido com o nosso, ele pode ser até "amável", mas vai continuar sendo aquele que perde tudo.

Em Evangelion, também encontramos esse conflito, essa dicotomia entre bem e mal, entre bom e ruim, entre o admirável e o execrável, mas ele acontece num furacão no interior de cada personagem. É como na vida que vivemos. Shinji, a quem estou me apegando neste texto, mas que não é o único poço profundo nesta série, não vem para te dar esperanças; ele vem te colocar um espelho na fuça. Enquanto os heróis conhecidos, sejam da Marvel, DC, ou Shonen Jump, com a força da determinação ou/e da inteligência, representam tudo aquilo que uma pessoa banal desejaria ser ou poder fazer, Shinji representa algo mais próximo do que o humano realmente é: um campo vasto para ser palco de uma batalha de pensamentos e emoções. A batalha dele não é para ajudar o planeta. A batalha dele é para ajudar a si mesmo, ainda que ele não saiba, e assim, acaba quebrando o limite entre um fruto de uma imaginação e realidade concreta – o que acho que foi mostrado metaforicamente na segunda parte de The End Of Evangelion–, ensinando ao seu público uma maneira de cada um poder se ajudar. Não que não possa ocorrer desta aula apenas deixar alguém mais down.

Shinji é um protagonista complexo, denso e, acima de tudo, humano. Por ser humano de um modo tão pungente, tão cáustico, é que ele pode muito bem ser chamado de fraco e ser detestado.

Cada vez que adentramos e descemos com uma tocha pela ampla caverna de nós mesmos, altas são as chances de encontrarmos algo repugnante. Por indicar, através de suas ações finais, um jeito de lidar com isso, Ikari Shinji pode ser considerado um dos mais verdadeiros heróis do mundo da ficção e da fantasia.

Se você não assistiu esse anime ainda, vá ver. VÁ AGORA!





Texto escrito originalmente em 04/03/2018.

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