Capítulo 2

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O quarto dos acadêmicos ficava após a clínica cirúrgica, depois da farmácia do hospital, onde macas e equipamentos esperavam por um conserto que jamais viria. Isolados e esquecidos, alocados em um quarto provisório, enquanto um oficial e com boas instalações não saía do papel. Escondidos em meio as luzes piscantes, com uma pilha de lençóis usados sobre um dos beliches, deitamos em silêncio. Seus olhos não exibiam qualquer sinal de vida, eram pétreos, impenetráveis. O homem que eu desejava não era o mesmo que se dispunha ao meu lado. O corpo sim, ainda que tenso, dominado pela ânsia de retomar o próprio controle. Sua luta, contudo, era dispensável. Só lhe trairia sintomas adversos na manhã seguinte.

Tê-lo, como desejava, seria criminoso. Um estupro é um estupro, independentemente das forças envolvidas. Podia solicitar que ele me dominasse, me possuísse como um animal descerebrado. Mas não. Não haveria tesão ou prazer. Simples marionete desempenhando uma função determinada. Enquanto não o tinha por sua vontade, usá-lo-ia para me consolar. Seus dedos ásperos de tanto empurrar macas e cadeiras-de-roda tocavam minha pele branca, pálida. Seu calor alimentava minhas entranhas, devolvia-me alguma vida. O carinho era desempenhado a perfeição. Mas não me trazia grandes repercussões. Quanto mais ele se aproximava, mais sozinho me sentia. Quem de nós teria menos opção naquele jogo?

O celular logo se iluminou. Uma paciente aguardava atendimento na admissão. Três e quarenta e dois da manhã. Se eu não a atendesse, caberia ao residente. E nada o deixaria mais furioso do que ser despertado para ouvir queixas banais. Ano que vem, serei eu a ditar regras, penso. Embora já tenha, ainda que secretamente, a capacidade de governar o humano que seja. Médico ou mendigo, advogado ou artesão. Todos se igualavam na minha presença.

Ordenei ao rapaz que voltasse ao seu posto. Esta já era a terceira vez naquele mês que eu solicitava sua atenção. Embora permanecesse um completo desconhecido para ele. Seus olhos escuros nunca fitavam os meus. Talvez fosse timidez ou, internamente, se recordasse dos momentos compartilhados. Sua rejeição me punia. Não o bastante, mas o suficiente para me lembrar que todo dom cobra um preço. E o meu agiota não permite atrasos.

Subo as rampas e encontro o residente na sala da primeira consulta. A gestante, uma adolescente de dezesseis anos, queixa-se da perda de uma secreção mucosa, como clara de ovo. A coitada, não a culpo, pensou se tratar do rompimento da bolsa. O motivo da sua procura só enfureceu ainda mais o residente. Meus ouvidos já se preparavam para o sermão monótono sobre a hierarquia que há dentro da medicina, e sobre o desinteresse dos novos estagiários.

— Por que demorou tanto? Nem deveria ter descido pro quarto. Vocês já têm direito ao pós-plantão, o mínimo que deveriam fazer é ficar disponíveis a noite toda. Na minha época de interno, eu nunca que fiz um residente meu ser acordado pra tocar ficha. Isso é um absurdo! Vou ter que falar com o preceptor de vocês, não tem jeito. Não é a primeira vez que isso acontece. Não quero saber quem foi, ou o motivo. No meu plantão, interno não faz corpo mole.

Com os olhos solicitei que ele me seguisse. O médico de vinte e oito anos, um metro e oitenta e cinco, corpo levemente definido de quem há pouco iniciou a academia me acompanhou obediente. As enfermeiras esperavam ansiosas pela bronca, foi uma pena tê-las desapontado. Ordenei então que ele se despisse, estávamos seguros na sala de prescrição dos médicos. A porta chaveada nos garantiria alguma privacidade. Ele tirou o sapatênis de marca, depois a meia branca de cano curto. A calça jeans saiu sem grandes dificuldades. Não era uma strip-tease, pois sensualidade alguma possuía o sujeito. A cueca boxer branca foi a última a ganhar o piso. Seu pênis em nada correspondia ao seu ego inflado de cirurgião.

— Agora, fique de quatro.

O animal postou-se como desejado. Abri, então, a braguilha da minha calça e expus o meu dote. A urina veio quente, banhando de tons dourados a pele morena do distinto profissional. Ao fim, fi-lo limpar o chão com papel higiênico, e levei sua cueca como souvenir. Para sua sorte, havia desistido da ideia de fazê-lo provar do jato quente derramado no chão. Alguns planos ainda o aguardavam, e não o descartaria tão facilmente. 

DevoradorWo Geschichten leben. Entdecke jetzt